quinta-feira, 22 de agosto de 2019

o escoador da alma



arquitectado
as ruas atraentes de bomba mecânica
enxameada a torre prisional
ou o último degrau de babel
onde estiver a afeição no partir da casca
essa província da alma
o oriente desembarcando no olhar
a narração do tempo devagar
e uma voz de embalo que guia o arrepio
protegido dos ventos das grandes vagas
escutando todas as frequências da terra
como um barco naufragado no centro
um buraco rude no passeio, na praça central
por onde mergulham agora os pombos e os carros
uma espiral negra de condensação sugante
e por fim pessoas

um enxame de gente partindo para nenhures
ao centro da terra
serpente que os olhos não vêm
no ponto comum do imaginário
e cerra o tampo finalizando a acção do sonho
agora a rua deserta e todas as outras simétricas
por não ser possível dominar mais o tempo
o terror dos objectos na sua ausência
surdos, perdidos no espaço sem fim

o sol caído antecipadamente nas nuvens
roídas as traças das fronteiras
o reflexo de mais nenhuma página virada
fugindo nus da escuridão
versos que quebram o alcatrão
ao curral dos hectares da insónia
espantados vestidos de púrpura
emanantes de pontos nervosos
dilemático momento de sombras infladas
abrem se passos que partem das ombreiras
uma chama que se recomeça dançante
e garras de animal ressurrecto

rangem agora as dobradiças de glóbulos brancos
imbuídos de um trânsito Maquiavel
o eco das coisas vazias levianas movediças
o estrondo do sangue frio correndo agora
nos socalcos e rebordos de uma outra aurora

e escondidos os barcos das nuvens
de um azul negrume aveludado ardido
o tronco soletrando a morte evadida
oca, que grita quando se entra pela porta
trazendo o frio de fora
um galo galopante de horas madrugas
em torno das escamas dos confins do túnel
do pensamento catatónico

e uma marioneta movida de sedas de aranha
circular e ancestral
volvida de paz para amansar o Fim
no latejar da mão que escreve sem alma
a luz parcial do bruto alívio
tocante
pactuarmo nos com a força da queda
a língua da terra seca
que nos une rematados
nesse arauto céu que agora revirado
para cavalgarmos nos barcos em nuvens de algodão
peninsulares e dirigíveis
tudo no desamparo de um lugar pronto a ser reabitado
de colunas de esporas e adeus


quando, todos os passos forem ecos


quarta-feira, 21 de agosto de 2019

um retrato na beira da linha



a psique deslocada na terra em parte alguma
os seguimentos da noite em ressurreição
as asas da madrugada mergulhando ao nascer
um falcão vermelho para além do infinito
na litografia da paisagem o rasgo
para a restauração do peito ou da pedra
e um motor sinistro de céu orgástico
os olhos atravessam de uma ponta a outra alcançável
o terror sem rosto dos sonhos
são carvoeiros de espectro instável
que educam a miserável morte
há o contradito das coisas humanas
esse algoritmo restrito utopiano
escorrendo da bica florescendo
e toda a procura da maquinação ou da sua omissão

louvar com anseio sem foco
todas as repúblicas do escarnecer
o caminho recto e perene
porque reina a insónia dos estendidos ao sol

e havia um estrangeiro supérfluo
passos abalando a presença da areia
pela azinhaga dos anjos
que agora com os seus veios estrangulados
apertava o corpo contra os muros
ou as mãos que agarram o corpo vegetal

mas o dia nasce sempre vazio
domingueiro irreal
com os seus cânticos preces gaiteiro
uma cólera feliz
e todo um deus celular da vida dilatada
nos pântanos do meio sono
há o desígnio impenetrável dos laços de seda
a alma ouvinte canónica
e a raíz da repetição
o rio desse traje petrificado
a grande massa de água movendo se
entre margens do ventre
suspenso e morticínio

depois a lua na revolução das marés
urgente de luz
enquanto que na penumbra o caminho lácteo
emenda maleável a mente
para viajar sem corpo
a voz das aves milagrosa da casa mundo defunta
e a extensão corpórea
como uma armadura de feixes de raiva
somos agora polegadas sem trilho
vulcões de fósforo e encaixes de blocos materiais
malabaristas sem candeias
para os impulsos da letargia
na corrida louca contra um relógio de areia
nossos palmos um radar
a cabeça pendurada nas mãos
vai na frente do tronco, das pernas, das penas
como um gesto de pedra falsa
que se devaneia por entre os dedos
no desencanto do vento

a terra odorífera opaca
até mesmo putrefacta
vejo uma árvore centenária á beira de uma escadaria
a grande cisterna isenta de cerco
sebes de linho branco toldos lentes
tons de alaranjado âmbar
e plantas no lugar de jardins
as paredes crescem cobrindo se de pedra
e agudos pinheiros

no pesado néctar sou qualquer coisa
como cândida dormência
sou submerso envenenamento do abalo
e contritos olhos a dentro

agarro na mão esquerda uma vela
ou um coto de réstia de vela
no seu rigor mortis
levantam se amedrontadas almas serpenteando
ciclones movidos
estranho o meu coração vidrado
que alberga caveiras de impressionismo
o horizonte exposto de uma vida inteira
e completos os terços do mirrado corpo
a velha de negro cabelos brancos soltos
sentada na cadeira á beira da linha
volvidos os outonos da embriaguez
de noite sempre noite viajando
agora sem olhos e com ramos de amparo
o silêncio pactuado com tentáculos de grito
grunhido animal num tipo de obsessão
pela escuridão
senhora do trono sentada
escuta se a guitarra mais triste
dedilhada por dedos cadavéricos quase sem vida
num tipo de obsessão quase penitência
os dedos agulhas de nós e malhas
para tudo buracos da memória que agora incomodam
como escribas do diabo
nessa devassidão de só
os declives das frotas das sombras que se levantam
das margens, da linha do comboio, da azinhaga, dos poços
dos pomares das serpentes da expulsão do ventre

e ela tramitando um búzio enleado nos dedos
peneirando a poeira dos tempos
para o mortífero estalo do pensamento

fareja lo, vergado enevoado
esvoaça nos meandros da casa essa áurea
buracos que ladram e lavram por si
aduncos dedos sementeiros de nada
nos intervalos do desuso
para catar as carraças do animal que fica
e os espinhos armilares da vida