domingo, 19 de setembro de 2021

Corre velozmente a morte

 
Uma lasca cortada na diagonal
um tronco de vidoeiro pela mão do oleiro
as nossas vidas moldadas do barro por muita lágrima 
estampada no vazio
tormentífora 
há o animal que estraçalha o gado
martelado um carimbo de noite escura
implante que só alguns de nós foram vítima 
tenho e sei que a alma é flutuante
meramente decorativa da carne 
quando ainda és pedaleiro de avenida 
Hoje, pareceram me tão pequenas, o meu passo cresceu
a referência desse cristo simétrico 
está precisa na linha que nos dividiu 
entre astronautas do asfalto e operários do avesso
somos todos filhos do mesmo começo 
a nossa bicicleta voava, hoje derrapa
as nossas perguntas eram água 
a nossa boca sede de vista e a lua quebrada
Havia a atração de cometer o limite de oculto
de atravessar a linha ferrea do insulto
porque o mundo não acabaria afinal nem na cruz  nem na última ceia da máquina do absurdo 
foste afinal o alimento o estigma rectilíneo 
o trepar de uma teia que todas noites se reconstrói de frágil seda
afinal, o sol estava de partida, inorgânico 
deglutido na bata branca de uma homonidade
que nos transportou para a cidade 
o campo ficou, vai se reformando ciclicamente de mais gente e mais semente 
Capítulo a capítulo nos vamos esgotando
De dez em dez, de ano a ano, de boca em boca
és o filho do filho do filho passageiro de cauda ou túnica com mais ou menos destino soberano
Nítido tenho hoje tudo o que poderia ter sido
e no entanto, sinto me em viagem, com o passaporte ainda vitalício 
de alguém que parece que nasceu ontem
Perus congelagos, cds riscados, homens andantes, andarilhos e bolas de cristal
Licores irlanseses, jogos de xadrez, camisas de riscas, cornos de touros, unhas de gel, onix
Tudo onírico, amalgamado de sangue ressequido 
a quem depois te ha de chorar
um lenço de seda e uns patins para continuar a andar
É que não há mais nada a fazer pois não?
É que ninguém pode fugir a esta condenação pois não?
É que só há uma forma de calar esta revolta..este mal estar..este tempo só se pode parar..assim..no fluxo contínuo sempre acima da linha do suicídio 
Sempre muito mais acima, quase até mesmo como se voasses,
Te deslocasses avião a jacto, hipersónico
Tão depressa, que nem tu mesmo dás pela queda
Explosiva da paixão da vida