sábado, 25 de junho de 2011

Lá Perto

Moro lá perto. Perto de uma casa caiada de branco e listada de azul. Moro logo ao lado do profundo oceano. Lá onde as velhas ainda choram em coro. Onde os miudos brincam com bolas de couro. Onde o pão cresce no forno, onde a luta amassa a terra, onde os filhos aprendem a palavra: guerra. Moro lá perto mas já não vivo lá dentro. Parti e acampei na fronteira. Onde não sou guerreira nem estrangeira. Naquela linha onde alguém é...ninguém. Não se sabe ao certo quantos somos mas todos os dias chegam mais manos vindos de todos os cantos. Á noite ecoamos palavras de  livros que escaparam ás queimadas e deambulamos pelos montes,  por isso nos chamam: os monstros! Também há quem diga que somos fantasmas, sombras de gente daquelas terras, gente que arrumou a tralha e partiu. Como eu.

Não tinha muita coisa, a maior parte eram livros e escritos meus. Esses acabei por lança-los á fogueira também, não os livros, os escritos. Eram meras exorcizações minhas, sem qualquer valor literário. É preciso dar lugar ao novo. Ficar preso ao que já se fez empobrece o espírito criativo. Talvez por isso tanta gente tenha feito o mesmo. Mas não deixamos para trás só palavras, deixamos casas, objectos, vizinhos, amigos, família e memória...muita memória. Quem aqui acaba de chegar nunca traz um sorriso no rosto. Traz muita mágoa e desgosto. É doloroso romper com o passado e partir em direcção a nada. É doloroso abandonar uma identidade por muito amortizada que ela esteja. Dói encarar um rosto vazio e partir apenas com as mãos nos bolsos, arrumadas e guardadas para fazer não sabemos o quê amanhã. Mas dotados de muita coragem, todos os dias aparecem mais, vindos de todos os cantos do mundo, manas e manos de todas as formas e jeitos. A nossa rotina é simples, dormimos de dia nos pinhais, abrigados do sol tórrido que absorve as quatro estações do ano. E de noite, deambulamos à procura de respostas, e de comida, deixando ratoeiras para os animais da floresta e redes para o peixe no mar. Muitas vezes caminhamos juntos em silêncio, conectados pelas palavras que temos ca dentro e que nunca se calam. Todos carregamos este fardo e alguns de nós não sabem o seu próposito. Preferem ignorar a vontade da palavra que vem de dentro. Mas ela não se cala, de noite ou de dia, ela transcende o nosso pensamento e cria raízes nos nossos cérebros. Somos diferentes mas cada vez mais. Amanhã provavelmente seremos todos iguais e nesse dia talvez a palavra se cale e dê por terminado o seu propósito. Tenho fé de que logo no dia seguinte a palavra se metamorfoseasse em algo diferente e que um a um fosse colhendo novamente cada um de entre qualquer um. Mas é só uma fé, já mais acima daquela que me move neste momento na procura das minhas respostas ao lado de todos eles.

Assim, depois de terem passado não sei quantas noites e dias, hoje, posso dizer que: Moro Aqui. Mas a pergunta que insiste em resposta em mim neste momento é esta: Qual é a diferença? Qual é a diferença entre a vida lá dentro e a vida aqui na fronteira? E será que para além destes limites, há outra vida diferente? Eu sei que estou a fazer as perguntas erradas e que é por isso que não encontro as respostas certas. Eu sei que a pergunta que eu deveria fazer é esta: Qual é a diferença em mim? Aqui, lá perto, lá dentro ou lá longe, não importa. Eu sei. Só não estou pronta para a resposta. Ainda Não.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Jardim Suspenso

Por cima da minha cabeça paira um Jardim...suspenso..se penso que entendo a área que vejo, me engano. É todo o meu desconhecimento. Por cima da minha cabeça paira...paira, um jardim suspenso, preso a nada. A dimensão é vaga, vaporizada na copa de cada árvore, como algodão de sonho. Acendo um cigarro e da minha boca sai uma coluna de fumo que atravessa esse jardim...abrindo espaços vazios, buracos num quadro precário. Que se fecha na mesma velocidade, redesenhando cada folha e cada ramo. Em tranquilidade. E os meus pés descalços sobem degraus de pedra fria. A cada passo acima, deixo para trás uma terra que já não é minha. Também eu me vou desvanecendo em cada linha, absorvida nos vapores botânicos de desmaios verdes.  Da carne ao vegetal, do peso à leveza total. Quanta beleza me envolve e me escolhe. Lá em baixo, tudo parece cada vez mais pequeno. Sou eu que me afasto, como uma balão perdido de uma mão. Aqui não há perfume, não há toque, não há tempo e, por isso...tudo se funde num só corpo aquoso, vaporozo. Eu sou jardim, suspenso sobre o que antes era, mim. Dito assim parece triste mas mal consigo descrever a harmonia que agora existe. Queres guardar isto? Se tiver alguma utilidade sim, senão vai para o lixo. E sem pedido meu, sem vontade nenhuma..num escaço sopro de segundo, sou sugada à terra. Como se alguém tivesse engolido todo esse momento, numa expiração invertida e voluntária. Olho ainda para cima, na esperança de que esse jardim ainda lá esteja, fecho os olhos e tento lá voltar, como quando acordamos a meio de um sonho bom e fazemos um esforço para lá voltar. Mas tudo o que me envolve tem agora cheiro, tem ruído e tem tempo. Sinto até o gosto amargo de um regresso imposto. Talvez seja o efeito do veneno que regressa à minha boca.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Dai.me Força

Dai.me força para continuar. Quem? Disseste isso a quem? Não importa, só sei que disse: Dai.me força para continuar. E deu. Mas deu pouca porque deixou a deixa: o resto é contigo. Agradeci e segui caminhho. Mas ainda me pergunto se agradeci com gratidão sincera ou se mordi a língua e pensei: cabrão de merda. E já lá vão alguns anos desde que segui por essa estrada. Já encontrei muita porta fechada, muita janela mal lavada e muito tecto falso. Não me faltaram companheiros com promessas pouco gratuítas nem me faltaram amigos com invejas muitas. Mas segui e deixei na berma de cada rua toda a minha amargura. Porque pesa, porque me atrasa, porque me cega. Aprendi a relativizar e em consequência, a perdoar. E é por isso que com o passar dos anos me sinto cada vez mais leve. Talvez por isso caminhe mais depressa saltando de pedra em pedra. Em breve serão trinta. Romanticamente não imaginei passar dos 27. Quem me quer bem aponta-me tudo o que já levo no bolso das conquistas, mas tão pouco me sinto ainda satisfeita porque todos os dias avanço a linha da meta para nunca chegar a corta-la. Olha lá, tu não estarás com vontade de descansar? De parar e apreciar a paisagem? Não estás cansada desta viagem? Para um grande irrequieto, parar é sinónimo de tédio. Parar é morrer por dentro. Ás vezes gostava de ser mais assim como tu. De ter uma só vida dentro de mim. Não, não teria piada nenhuma. Respeito a tua escolha mas prefiro as minhas escolhas. Alguém me disse também numa dessas ruas que se aos trinta não encontraste a tua estrada e se aos quarenta ainda te sentes baralhada, então não procures mais porque já ficaste encalhada. Nah, não consigo partilhar dessa visão, até ao último segundo é sempre tempo de decisão, de encontro e união, ou de mudança de estação. Porque se te arrependeres, para trás não voltes. Há sempre três caminhos: o que escolheste, o que escolherem para ti e aquele que te encontrou.
Eu não sei porque é que me dá para escrever estas coisas. Será que as diria a um filho? Acho que não. Provavelmente diria: força, agora é contigo!