As minhas folhas voaram todas e com elas a pouca organização que já tinham. E quando a porta tocou fui abrir. Era o correio. Dizem que bate sempre duas vezes mas aqui no prédio tem costume de bater sempre na porta errada. Era uma encomenda para o vizinho. Não sei porquê mas disse ao rapaz que era o meu marido e assinei a encomenda. Bem sei que isto não se faz. Era uma caixa grande, demasiado grande para o tamanho da minha sala. Numa caixa grande cabe toda a vida de um ser humano? Se eu mudasse de casa aos oitenta anos e só pudesse levar uma caixa, o que lá colocaria dentro? Se callar era para ir para um lar e aí a caixa seria ainda mais pequena. Partilhar um quarto tal como nos tempos de estudante mas desta vez com outra velha! Só a ideia parece-me aterradora. E se essa velha fosse rabugenta, e se essa velha ressonasse mais que eu? E se ela morresse durante a noite? Intrigam-ne os pensamentos de quem se vê numa situação destas. Se calhar ficavamos amigas e fazíamos companhia e contavamos as histórias das nossas vidas. Se ela não me roubase o pão á refeição sim, seríamos. Então o que levaria eu nessa caixa? Ou melhor, focando-me no presente, o que estará dentro da caixa do vizinho? Eu sei mas vocês não. O presente, se bem me lembro de quando o comecei a escrever, já era passado. Sim, abri a caixa. E embrulhadas estavam nada mais nada menos do que roupas de mulher. Vestidos de noite, sapatos altos, soutiens...até uma caixa de maquilhagem e algumas perucas louras. Eu pensei o mesmo que vocês, é um presente para a mulher dele. Mas quando vi o número do sapato, era 45! Que mulher calça este número? Deve ser enorme!! Não, segunda ideia luminosa, o vizinho tem alguma profissão paralela que envolve vestir roupa de mulher ou pior ainda, é tarado! Pior ainda disto tudo foi eu ter recebido a encomenda e ter visto o que estava dentro da caixa. Agora eu sei o segredo dele ou ele pensa que o sei...a menos que a caixa lhe vá parar á porta como que por mistério divino e aí ele não saberá quem a recebeu. Eu não sei o que faria se ele descobrisse que eu sei o que afinal nem sei bem se sei. Bem feito, quem te manda mexer nas coisas que não são tuas! Bem mas há outra solução um tanto ou quanto maluca mas é possível que resulte. Vou enviar para mim própria uma caixa com algo tão pessoal que seja segredo e coloco só o numero da porta dele sem nome cá fora. Lá dentro identifico o dono da encomenda: eu. Assim ele terá de abri-la e vai ficar a saber um segredo meu. Depois trocamos as caixas com ar comprometido e tudo fica na santa tranquilidade de antes. Na verdade foi o que fiz. E o que coloquei lá dentro? Bom terias de me enviar a tua caixa para ficarmos ambos a saber os nossos segredos na santa cumplicidade do segredo mútuo partilhado. O vizinho que me perdoe mas eu tinha de desabafar esta história com alguém. E não é sempre assim que se espalha um segredo?
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
Bolas de Saibão
Saibam vossas excelências que bolas nem vê-las! Diz que prefere quadrados ou riscas e ás vezes outros padrões mais ariscos. Foi coisa de que sempre teve a certeza. Fiquei curiosa. A natureza tem desta coisa. Quando era criança ia para a varanda e levantava a saia. E ela rodava e era o vento quem acarinhava. Depois a vizinha chegava e debaixo da cama o resto já se sabia. Que naquela idade inocência era coisa de gente que não via. Bolas! Não era assim que te queria falar. O que vem sem ser esperado, bem quer ser encontrado. E na verdade viemos a encontrar-nos vinte anos mais tarde. Estava ela a fazer bolas de sabão numa praça em Milão. E eu fiquei-me pelos versos. Por onde tens andado? Por aí, respondeu ela. Já não sei quantas linhas e quantos riscos por cima desta história eu passei. Todos os poemas vão dar a ela, inevitavelmente. Quando levitavamos de mão dada e prometiamos uma à outra sermos..namoradas. Pode o tempo apagar tamanha vontade de lá voltar? Mudarias alguma coisa? Sim. Corria atrás de ti e se me magoasses lambia as feridas e seguia-te até que os pés me doessem. Como um cão abandonado na beira de uma estrada. Maltratado e à espera do dono, do único dono que tivera. E afinal o que me querias dizer? Queria oferecer te um poema. Mas de entre todos os que escrevi não consigo escolher um só. Todos eles são um compendium..de ti e talvez para ti. Guarda isso tudo e publica um livro. Sempre foste ingénua e ao que parece, não cresceste desde então. E sou eu quem faz bolas de sabão numa praça de Milão!
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