quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

odisseia de um operário


as vilas operárias do pensamento
desse mosaico desmaiado sépia
retratos ventosos da consciência
dos estendais do abandono
dos estuários de outono
a entrega das mãos a um estranho
há o cair dos anos pronunciados
o espírito vaidoso de lacunas
revolvendo de tremores a vida
nesse triste aborrecimento
de tudo o que se reveste de coisa
vital e natural
o que flui sem as paredes da linguagem
pela emanação do coração
quer o contexto da profunda beleza
matizado sem a pele das palavras
onde as memórias anémonas
são texturas de um passeio oráculo
que o ripar dos anos tornou febril
e seco de lágrimas sem choro
voltarão aos seus lugares para o sinistro dos voos
o eco compulsivo de coisa nenhuma
e a saudade de uma ceifa de consolação
o meu corpo repousa então numa esteira
de outras vidas que se entrelaçam
quer o contacto da profunda beleza
ganhar a fúria dos afazeres de cada dia
labutam na respiração das ideias
ser coisa danada de fantasia
ó mover das foices capatazes do inferno
movem-se as pálpebras desses olhos tristes
olhos de tristeza de solidão em falsa paz
em que faina posso então findar
por fim afagar o tempo que o sono refaz
cobrir-me de negro e pertença
de peito aberto de jornadas sem medo
poema, vagabundo de um sonho-mundo
mundo meu e mundo teu

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

para dizer a deus


em toda a terra onde me recusasse a pisar
da polaridade do mundo palpável
o diálogo dos nossos olhos
campos fundamentais do sonho
para a desmembração do dia sólido
e ampliações articuladas da noite
como posso dizer que as palavras são aparições
de ninguém vivo
relatos da criação a que sobrevivo
que a imagem desmedida se afunda
no triunfo pantanoso da escuridão do espírito
e da separação límpida das lágrimas
da aspereza do brotar da espécie viva
debaixo dos céus a poesia
e então o dia é curto e a noite silêncio
para o inimitável ilimitado
participar do ser
mas eu não posso senão a partida
que está sempre a caminho de qualquer hora
que me faz sentir mais longe
abro a boca
uma pérola ardente na língua
como flores desabrochando da saliva
pedaços da eternidade sem som
que a minha voz no alívio do silêncio
silencia
o rumor da alma fora da concha
abrir um buraco na terra
e cuspi-la
que esse quase que me foi sempre metade
cumpre-se de céus de acaso
e dentro do peito sempre bravo
capto a doçura do adeus
obstinados os meus pés perdem-se
e eu perco-me com eles à procura de entretê-los
dos ecos que partem deste peito
com o ritual de poder senti-lo descarnado
não estejas triste meu amor
é desse agora que tudo faz parte
quero que saibas que me hás-de encontrar
para instantes revisitados
nós que temos os gestos lassos e as mãos pálidas
pelo reflexo da brancura das páginas
para a vida que começa agora
em toda a terra onde te recusas a pisar
tudo farsas do mundo original
são os horizontes que me são estranhos
para sentir a absolvição de qualquer desígnio
que eu já procurei e não encontrei
mas não estejas triste meu amor
as palavras são egoísmo em cativeiro
quero dizer que mesmo antes de começar a bater
o meu coração já sabia ler

mas o relógio marca sempre uma hora a menos
com a precisão de um batimento de exclusão