quarta-feira, 22 de novembro de 2017

a acidez do alinhamento


ao espaço
o voo é tão intenso que provoca enjoo
quebras de tensão e um embrulhar do ventre
interrompendo como vertigem
corpos em queda livre sem alimento
deslumbrados de motivos de luz
para o desprender onda magnetizante
de fissuras ao uso industrial do fluxo consciente
a geometria das mãos que acolhem o ar
pequenos magmas gestos orientais
para o círculo graduado de momentos
que nos encontram rodopiando
como parafusos peões do movimento
delicado é o estado da desambiguação
esse órgão cartesiano de divisão mágica
em todos os quartos de tempo
somos intersecção de sólidos
para a espessura quântica da metáfora
esse xadrez de avanços e recuos
de equivalentes de traços de pontos
para a felicidade extrema de nos sentir
um planador solitário
que salta de referencia sem escala
pó de estrela e mágoa
recolher do fundo o resto subliminar
planos de sombras desvairar
 e a esfera rola à beira do precipício
no movimento perpétuo
sem sair do mesmo sítio
como em todos os recantos redundantes
serpentinas de calafrios
instrumentos perfeitos que servem ao balanço
desse metal inventado
um escorpião sepultado no sonho
tentacular do arrasto
silvas criaturas do algodão
esporas no lombo celestial
é a paixão de nos sentir do lado de fora
para o desagarrar como diaspora sem partir
comer-se os olhos em pedaços
sais fibrosos tetraédricos e só deslumbrar
o alinhamento do horizonte sem eixos
e múltiplos de nós no ato material
do deixar-se ir desencorporar
para convergir nos pólos galáxias
de mil universos ainda por pensar
prometem-se um ao outro
no preciso segundo em que se começam
o sangue corre mais depressa
e a viagem parte antes da alma
dos dias visitados em redes de amianto
para a combinação química da alienação
de pisar da linha da terra
em projecção



segunda-feira, 6 de novembro de 2017

as águas do pacífico



marés dedilhadas do invisível
para lá de tudo, as águas do pacífico
ao longo as ossadas parecem firmes mastros
essa paisagem já desfeita
como um visitante ou passageiro
e despir-me, só depois para dentro das mãos
a moldura das coisas velhas e ocultas
as águas reflectem a cor do alívio
por esta altura, todo o tempo é remoto
o farol que controla as memórias ao abandono
os velhos edifícios que veneramos no reflexo
o dia vem corromper a honestidade
interromper o formigueiro ou a água a correr
aterrar num peito desfibrado
por onde se escorrega ou se entrega
há no horizonte um último lampejo
no coro de enigmas e escapes de desejo
para a melodia da distância já ardida
dizem que o delírio é a vida
praguejado na língua do pensamento lírico
que cai no sono dos que não dormem
e as palavras são o ciclo mortal dos que não partem
e os dedos escolhem arrancar do fundo
a brandura dos homens que se matam
as águas reflectem a cor do esquecimento
dos homens que se matam
não há porto em terra
não há vela nem corpo
não há morte para os homens que se matam

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

laudare em suspensão



sento-me, no topo do mundo sereno
as nuvens bordadeiras dos textos da fundação
respiro, sou pura funda de cordas vocais
atiro-me sem corpo contra os muros anfíbios
para a domesticação de tudo nocivo invertebrado
assumem-se formas imanentes
elementos supremos do contacto com a alma
mais próximo da representação sensível da alma
chegam-me relatos circulatórios
para o acto mais puro
o que nos move sem se mover
há em nós a atracção do fim
das anulações abstractas
dos trabalhos materiais dos sonhos inacabados
uma pluralidade de olhar
que só se encontra nos terraços metafísicos
e depois a decadência dos voos
a prima substância para regressar à terra
actualizam-se os pássaros no céu
as forças potentes das suas asas
para o acto de vir a ser ponte de céu
e península entre peitos desabitados

afago em nós o sangrar da terra
o óbulo nódulo para o limpiar dos clarões
tudo o que carrego de negro que nos absorve
tudo o que sou de desespero
há o dissipar das ravinas
o encadear das névoas
o conforto da rigidez das trevas
de tudo ser tão forte que se anula
e depois o contacto das pálpebras
o ziguezaguear dos voos inéditos
rasgar o céu pela primeira vez
porque tudo é uma estreia
e sucumbir ao peso
do entresonho da interrupção da morte
madrugando na futilidade da paisagem
ter os ossos articulados à carne
na ruína das ilusões atiradas às fornalhas
as paredes de azul celestino retratos ou espelhos
a luz que reflete a água dos teus beijos
para a sanidade possível
e o paladar tropeça na incursão da cabeça
a poesia sabe a láudano e incoerência
para tudo o que nos cobre de lonjura

há plenitude nos ângulos das aves
as mãos albas para a sombra da cegueira
porque para lá destes terraços
somos o desfiar das vagas, descampados
e o coração pela boca silabando
tudo em suspenso, tudo em suspenso

assume-se a distonia febril
o sonho mecânico interrompido
e bater com as costas no chão
o quebrar de estátuas de sal
para o difícil rasto das palavras
para o desaprender do olhar do céu
há um eco apagado convulso ainda
de se manifestar no atingir do azul
e anjos descalços ainda por vir

tudo em suspenso, tudo em suspenso
sinto o corpo suspenso por cabos de aço
fibras elásticas de aproximação e afastamento
quando me tento, ser, em movimento