sexta-feira, 18 de maio de 2018

pranto da melancolia


À água pedra lascada
o envelhecimento das marés da lua
lobos de um inverno estranho à espreita
árvores caminhando por todos os cantos
olhares em diálogo da linha pungente
da cavidade torácica a máscara cirúrgica
a água periférica dormente
dos impulsos vitais perfusionista
para a técnica de transplante da alma
agonizante
litro fluxo de sangue oxigenado
contrair-se expandir-se
se o novo coração batesse
hipodérmico esponjoso sorumbático
o tórax aberto injectado
para esse bypass de amor
varetas elevadas acima do horizonte
olhar vítreo de ogivas esquiadoras
havia uma fronteira perto da dor
o passo aveludado uma viagem solitária
o fixar das garras no cangalheiro
predador sinistro sibilante
lince do silêncio das clareiras
esse ponto de fuga de anta magnética
navegante arquejante
as patas dianteiras as primeiras casas cómodas
cornucópias de rancor enevoadas
para o latir das trovoadas da recordação indefinida
o sol, a cal, as paredes
constelações redes de janelas abertas de lua minguada
até amanhã que são só lugares
o movimento dura a imagem translúcida
chorões abertos no espaço verde fármaco
a electrocussão polar que nos derrapa a cada segundo
o voo cativo para mastigar o vazio
o ódio implacável no cadafalso da existência
sempre nos meus horizontes
o infame punhal cravado de inflexível maldição
negoceio-me de horas sem narrativa
o antes fortaleza guarnição cárcere
quero sondar cada aparição solar
com a convicção de que estou vivo
calçar os estribos da loucura
o perfume férrico diluído na maresia de pontão
cada embate de chegada e partida
uma ilha de terra e calços humanos
onde estarei sempre de visita
o estúpido remate do coração margem a margem
de noite a respiração lenta das águas
um túmulo de sombras nos cantos do cárcere
os olhos vagamente na luz extinta da lua
nesse movimento de sentir o gélido contacto
dos espectros que andam à mercê da maré
de um sono ligeiríssimo
a luz que preenche as fendas do peito
o sol que rasga a pele e nos devolve ao mundo
escutai a meia noite da hora lendária
erriçarem-se os cabelos da cabeça
na terra dos grandes criminosos
o rumor dos passos já próximos
um homem envolto num grande manto azul
à insónia entregar as palavras
havemos de passar pelos corredores das ruas
servir de mordaças e roupas brancas
até amanhã pela manhã
a água ferramenta das nossas lascas
para nos esculpirmos num só
numa qualquer ideia de cumplicidade
com a íntima paixão da escuridão
havemos de explodir com essa embarcação
que nos empurra margem sim margem não
e trepar por todos os sucalcos do inferno
pelos intrincados corredores do cárcere
escutai a meia noite da hora lendária
a maquete original dos drenos da morte
para o voto solene de morrer para o mundo



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