sexta-feira, 21 de junho de 2019

o arado aritmético



quebrar, arar

de perfil os campos
uma cabeça de leão desfigurada
e do alto do escudo um olho terceiro
quero romper com a violência de mim
passar pelo interior em campo aberto
levantar de helicóptero os cabelos
consumir os sapatos de caminho no ar
e passar cortando as pernas pela revelação
assim poder violar o coração de oculto
e todas as horas de diferentes mecânicas
bater ao mesmo tempo desconectado
assim poder dissipar-me num miar de ânsia
e brotar da gelatina dos astros
falando-me da luz do prosseguir dos raios
para continuar a marcha e fender-me em dois
deixar-me para trás a cessar num de repente
e em anéis de febre as linhas da alienação
quero introduzir a desordem
interromper um tratado de paz imposto
as algemas presas nas copas despidas
para sempre um inverno confortável
e romper em luta que rompe com o silêncio
falar depois de estar calado
ser o primeiro a falar
fazer ruína para tudo o que está calado
e em silêncio
para segredo confessar o nome vulgar
que está prestes a assentar-me
Saída
na cola na cauda do animal ferido
vermes da ruptura do alimento onírico
a mão corre com o som seco e áspero
os ramos bipartidos espartados
e as patas de um rinoceronte crescendo na fronte
ronco e respiro a custo
aqui do alto o ar é raro e cavernoso
o fluído respiratório dos ossos
brônquios cordéis superiores
o ronco da mais bela aurora
diz-se um animal dentro da cavidade abdominal
andando em roda aflito
para enfim se descobrir qualquer coisa
que se rondou por anos
desfigurado da oclusão perfeita
vibrante está-me de visita o verbo transitivo
Hoje, ganhar tempo na ronda
quero mais tempo para podar a alma
e versos que não se repetem de fim
Hoje o pêndulo sou eu
E o homem saiu de casa, levou a chave
ao bolso e começou a andar.
Como um foguetão lançado ao espaço
o caminho fugindo abaixo dos pés
a cegueira o suor a língua seca
a correria dos objectos devolvidos ao caos
e carregar nas costas o filho morto.
Fabricante de rocas.
O homem adulto, sem sonho.
E para aliviar a pressão
despe-se, descalço
.
Tudo é água e pedra
e nenhum pássaro levantou.

Ficaram as imagens, dentro de casa
no lugar comum arrumadas

E os insectos e as larvas.

E os pulmões respirando para o nada.

Nesse pequeno ornato de cor agora azulada.

Para ser ainda a onda




domingo, 16 de junho de 2019

uma cadeira vaga



havia o anonimato das portas cerradas
a frequência dos objectos quietos
das suas massas musculares em repouso
havia a fuga e o ruminar do longe
o lugar da sua fria cólera
e ácidos tragados pela fome
o estômago vazio e Olimpo
uma temperatura tépida
para mais tarde o arder da película
havia a marca do sol no pulso
a sombra da falta de tempo
janelas em ogiva para a distorção
e dedos quebrados pela areia lençol
havia a nudez ainda pouco tocada
a casa crescendo dos braços viris
comprimindo-se da sucção
com os seus quartos escuros
que a pouco e pouco se iluminam
o trabalho demolidor do animal
na sua obra de cópula virtual
a união física para engolir a saliva
e o guarda santuário com a sua respiração
que todos os dias assiste ao cavalar
das paredes que se abrem como páginas sem lombada
todos os dias nasce a tarefa de a tecer e voltar a tecer
como uma narrativa dactilografada na pele
depois há os dias dos lábios secos
lábios de escarlate fulcral ao amor
insondáveis da vontade de me dissolver
e o grande invólucro que sou
mergulhado em suores frios
como um inexorável fantasma
deixado cair da cortina e um soluço de angústia
encontro-me aos tombos mobiliários
a consciência de uma casa em abandono
como pesadas colunas e pó do lugar vazio
afasto-me no sonambulismo abissal
como um caminho cego e compulsivo
e apenas heras que trepam
sobem por mim acima para chegar às janelas
cobrindo os vidros e entre as calhas musgo
e o espírito no seu rasto gladiador
na perseguição do fim de poder chegar ao topo
desses telhados de zinco mais perto do céu
da porta dois degraus de pedra suja
escutam-se os passos da rua passos que não entram
porque as coisas do lado de dentro são desfocadas
a última flagelação que habita ainda pela falta
e a vaga de quem não chegou ou talvez sequer nasceu