domingo, 16 de junho de 2019

uma cadeira vaga



havia o anonimato das portas cerradas
a frequência dos objectos quietos
das suas massas musculares em repouso
havia a fuga e o ruminar do longe
o lugar da sua fria cólera
e ácidos tragados pela fome
o estômago vazio e Olimpo
uma temperatura tépida
para mais tarde o arder da película
havia a marca do sol no pulso
a sombra da falta de tempo
janelas em ogiva para a distorção
e dedos quebrados pela areia lençol
havia a nudez ainda pouco tocada
a casa crescendo dos braços viris
comprimindo-se da sucção
com os seus quartos escuros
que a pouco e pouco se iluminam
o trabalho demolidor do animal
na sua obra de cópula virtual
a união física para engolir a saliva
e o guarda santuário com a sua respiração
que todos os dias assiste ao cavalar
das paredes que se abrem como páginas sem lombada
todos os dias nasce a tarefa de a tecer e voltar a tecer
como uma narrativa dactilografada na pele
depois há os dias dos lábios secos
lábios de escarlate fulcral ao amor
insondáveis da vontade de me dissolver
e o grande invólucro que sou
mergulhado em suores frios
como um inexorável fantasma
deixado cair da cortina e um soluço de angústia
encontro-me aos tombos mobiliários
a consciência de uma casa em abandono
como pesadas colunas e pó do lugar vazio
afasto-me no sonambulismo abissal
como um caminho cego e compulsivo
e apenas heras que trepam
sobem por mim acima para chegar às janelas
cobrindo os vidros e entre as calhas musgo
e o espírito no seu rasto gladiador
na perseguição do fim de poder chegar ao topo
desses telhados de zinco mais perto do céu
da porta dois degraus de pedra suja
escutam-se os passos da rua passos que não entram
porque as coisas do lado de dentro são desfocadas
a última flagelação que habita ainda pela falta
e a vaga de quem não chegou ou talvez sequer nasceu








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