a Hora mais triste
um relógio plantado na campa
um relógio plantado na campa
a um Deus Morte a vénia perpétua
como cicatrizes por fechar
que da cabeça se hão-de despegar
há o nervoso da passagem estreita
as emendas que o tempo já não permite
um chemisier de arcos agora livres
e o empurrar do vento para dentro
como marfim antigo
testemunha de um branco imaginado
a obviedade ou a lassidão
tamanhas verdades que nos esmurram
todos acodem para o minguar
do pó à terra de novo semente e ovo
na ponta dos dedos um palito
e o cabelo eriçado ao infinito
debruça-se o coveiro para alisar a terra
sete guerreiros rogam pela absolvição
sete buracos metricamente calculados
e a telefonista chama que é hora de sesta
e lá fica a campa aberta
e lá fica a campa aberta
arrasta-se com a ingratidão da vida
conhece bem estas avenidas
as armas que levam os júbilos dos obreiros
a leitura do céu descrito de agruras
as vozes da agonia do adeus não querido
enterram-se os outros em silêncio
pela brisa da tarde volta de cachimbo aceso
o sono que não se deu sem pesadelo
mas que há muito que não recorda
há coisas vivas e inanimadas
no terreno sagrado das almas
o silêncio que não é como a noite
na língua nova dos apagados
o silêncio que não é como a sorte
na maré viva da onda devastadora
o poeta visita o coveiro salivando
crê que nesta amizade o seu lamento
e o seu exasperado medo
possam sofrer a degradação da perda
poder perder de si esta pedra
como se fosse a própria pessoa de deus
um ser cornudo de cascos e língua afiada
animal apocalíptico libertino
de entranhas brutalmente abertas
Na porta de Ferro a língua pálida
deixada de capacho áspero
limpam-se os pés, lavam-se as mãos
como se cá fora ficasse o pecado de guarda
e a humanidade fosse uma só vela pura
de piedade e ternura
o poeta ri de sarcasmo
interrompe a missa para o arroto
dança bêbado pisando o corpo
abraça a cruz para lhe confessar
que quem o matou fui eu
segue abaixo e acima, toca o sino
rodopia infantil sem destino
passa pelo coveiro na urgência
de que lhe ate mais o novelo
lhe aperte mais o pescoço
e lhe arranque logo as unhas
o espaço vazio é o leito verde e azul
que lhe atirem flores de plástico
e lhe cobrem o nome para o novo aquário
o poeta tem flutuantes vértebras
escamas de condão réptil
e não aquece o leito da campa mais funda
ás vezes senta-se a seu lado
conversam longas horas mudas
o sangue cruza-se deambulado
é o coveiro embriagado e o poeta lúcido
com o terror do cerco da morte
pregado no mais fundo dos seus calvários
deixemos pois tranquilo o homem que parte
o cão zelando no distúrbio psicótico animal
retorcido sobre o tronco abismal
o cão zelando sentinela dos aflitos
multidão de de passos cessados
na sombra do muro todos viram pro lado
lá dentro lá dentro vai-se deitado
versículo dos impuros, 33