domingo, 24 de abril de 2022

Fios de sol pontual

 

À beira da mão que colhe

carcaças de corações contraídos
estrelas serenas enegrecidas
das sensações coladas ao domínio da faina
da casa do credo
um anjo debruçado na lápide em branco
labirinto de armação de sombras
anda rastejo o terror doentio
paira jasmim e incenso
e o veneno transladado para a fermentação 
tenho as palmas ressequidas
de escalar ao terraço colando me às costas
no silêncio de quarto de satélite 
um sonar fausto de fronteiras de ar quente
anda o pensamento a fazer nos gente
preocupa nos o consertar das coisas
a parte perene da vida inteira
que só o contacto dos dedos satisfaz
tenho apetites enormes e faro
disparos de dimensões oblíquas 
para engomar o Céu de mais liso
havia compostos de caudas de pavão 
animais de mais azul petróleo e verde pântano 
procuramos por nós na casa em ruínas 
no canto dos sapatos, na dentada na parede
no buraco de lençol agora cortina
procuramos pelos sonidos ambulantes da terra
nas plantas envasadas de caules afogados
hoje um fio de sol encalhado na testa
abre a terceira casa das coisas gerais da vista 
e abafadas pela afasia do absurdo 
como um afecto que se fechou sobre si
cai o tecto pesado de extractos de euforia 
fundimos em cantos de página números 
coordenadas poéticas do nascimento à morte
e nunca satisfaz o resumo 
hoje o templo parece arquitectado 
o odor do ferro do vago do próximo passo...
Havia estilhaços de afectos caídos no caminho
como migalhas que alguém no desastre da distração 
não guardou para mais tarde
agora o pastor era coveiro
o comboio disparava para a Foz 
nessa última viagem sem freios
e a nós quem nos guia para depois do desastre
a nós que a morte sinistra parece carente de mais pista
quem não aprendeu a voar em vida...






domingo, 10 de abril de 2022

Câmaras de oxigénio

 

um labirinto de artérias de verdes 

com uma espécie de candura luminosa

espaçada de lugares e coisas para sobreviver

guardam-se pérolas em ferida

as forças do ludo magro e negro

um oceano aquilino abismal e primitivo 

para engolir o sangue dos anfíbios 

um sonho povoado de prata lunar

e mistérios  inominais

andam de gatas sem guarnição 

de olhos aguados ventres caídos 

e peregrinações de vago

fica-se farto de fronteiras

quando se emerge do aquático ao aéreo

Aqui tudo muda, o nosso corpo pesa 

blocos de pedra outrora pantanosa

o sol escalda sofre-se de suor 

e um cão invisível persegue-nos as pernas

o som escapa-se de latidos furibundos

faz-se uma pausa para enterrar os barcos

na areia desenham-se passos

e fanfarras de pássaros comitiva

somos fragata de ossos suicida


semanas de divagação cerrada a bordo

de uma carroça cilíndrica voadora

uma matilha de nuvens carregadas

correntes de inesgotável dor

para urinar de dentro para fora

ser sitiado de memórias encardidas

desciam do além céu para restos

bocados de braços, unhas, cabelos

que uma e outra vez foram sedimentados


Fica o riso de uma gaivota em improviso...