Há nos ponteiros do relógio um compasso inútil
como se os pombos necessitassem de pernas longas
ou o fotógrafo de saltos para ver mais além
tinha uma esmola sempre de parte na algibeira
na caixa de ferramentas uma corrente e várias ocorrências
olhos triplares e alongados para desconcertar uma armónica
debruçado no alpendre da cidade perdida
nenhum benzer, nenhum credo mais puro
o céu carregado de utópicas manchas
e no banco de jardim, um beijo dado de peito fechado
havia foguetes a partir todos os dias sem dono
cada carta lançada á mesa vinha em branco
e de vez em quando um joker por graça
o leitor escorrega de sono no jornal
vendem-se colos e vidas do desterro
toca-me na película mais abstracta
a noite cai como câmara obscura
revela caninos para miupes de longe
hoje casam-se-me os anos
aceitam-se trocas de agora sem atraso
as almas querem-se de fresco e ao léu
as crianças girinos de aquário
temos pressa de ver chegar o peixe à porta
aqui todos se afogam de lágrima
um tiro de roleta isolado na mão
a mão rabiada de medo já não serve
das gavetas já só peças de faqueiro
e de modelo um cepo de cadáver
Assim desenharam-lhe o caixão em forma de estrela...
para afinal ser pó de sopro
ou coração com sopro
dizem que a saudade não faz falta aos mortos
e nos dias de hoje nem tão pouco o caixão
-disse-me para lançar as cinzas ao rio..rio de
prata, que combinava com a lua, diz que era
uma pessoa atrita a lados lunares ..para se
despenhar num qualqer compasso desmedido
O texto não tinha sinais de cruz
nem razão, nem mezinhas..
Os campos tinham ardido, os quintais, os móveis
nesse quadro monocromático de vazio
o estalar de um castigo que se vê
vê-se por fora incendiado
agente nasce com esta sina de cão vadio
para vir comer à mão do tempo
o corpo engravatado desencaixado
querem-se os sonhos para nos comer as paredes do peito
e as ruas para nos desaparecermos sem sombra
todos os textos nesta língua estão malfadados
nascer-se mudo depois de se ser soco
e nas escolas desaprender-se das tabuadas a solidão
um mais um senão nenhum
e eu e mais eu, que monólogo do coitado
a culpa é do compasso...sim desse compasso...