sexta-feira, 22 de novembro de 2024

criatura psicosis

 
nos alicerces do declínio das brumas
a endógena panorâmica do edifício 
esse prado junto ao céu impressão universal
linhas retas de cimento com janelas de olhar
decompostos eruditos uns mortos outros vivos
e um estendal cordão umbilical de rasgo perverso
lemos na apreensão estética antes de tudo ser estrutura
antes do medo e do futuro no batismo do mundo
na arte do arrasto de figuras sem amarras
figuras que se atiram ao fosso porque sabem ter asas
para nascer tantas e quantas vezes na sedução gravitacional 
na aproximação vital ao chão 
nesse acolchoado de suspensão aérea ou resistência
a ideia ardente de chama que se devora e retorna
e no entretanto o embalo do xaile materno no corpo
uma ternura tão bela que quase leva ao choro
e sabemos que as lágrimas quando se soltam do rosto
ascendem para se juntar ao grosso atmosférico 
assim quando aterramos o rosto já seco e limpo
e tal como o mar
essa agonia fetal que o mar entrega na areia
de serenidade pós parto
depois morno manso para se entregar ao vazio 
no porto de agúrios soturnos 
num vai e vem de redes metálicas a peneira dos dias
os pés caminham calejando-se as asas recolhem definham
os cabos que mordem linhas isco de cativo
como um pássaro de alma sem casulo
a tristeza fecunda exposta radiografada
fecunda e refeita na fúria das castrações cíclicas
e um grito que do silêncio se faz vivo
de parar-se esse pêndulo perpétuo 
de orações que nos desfazem em lutos
são passos que deambulam espectrais
que percorrem os ângulos cantos desse campo santo
cativos da laboura sanguínea
epitáfio de ferro fundido em que nome nenhum
declara o indivíduo
o jejum da dor nos laços indissolúveis que a memória
drena da miséria 
um espírito que se vai erguendo de arcadas de besta
de ventilação medíocre 
de cicatrizes fendas de vago e vácuo
adiposo de abismo
se vai vergando e encolhendo de mais pequeno
se vai entregando lento à terra que depois se remove 
se mistura se molda para recebê-lo de volta

entrego-me à escultura
dessas novas criaturas...
 


domingo, 3 de novembro de 2024

Brisa marítima

incansável terra de utopias de fogo
amazónica metrópole onde vagueamos
sem rumo, uma patagónia de voos
sem embarque esquelético ou nervoso
distante de enfados e microclimas de luz
diz-se apelo do sul dos antárticos da carne
há o roncar do girar a que se segue 
uma alma em bruto
de um farol qualquer de vento pacífico 
ilhas avistadas do desconsolo, penhascos
a terra forca de tensões pneumónicas
e o animal embarcado fotográfico
as quatro linhas de um retrato calafetado
numa espécie de maldição fornalha 
tudo esmorece lento, regresso a entranhas
era uma singela embarcação para baleias
para milhas de estreitos sem alvorada
horas quietas águas petrificadas
colónias de corvos marinhos e tentáculos frios
vigias do horizonte delicado em choque
o pescoço retira-se da corda
a vela recolhe-se
combustível de nuvem pulvorizada
monumental o animal evade-se
a palma do leme desfaz-se
para tocar a superfície sem arpão 
agora bicho de estiramento extenuado
a dura caça dos céus encobertos
está a pele de arremesso dos golpes de retoque
a tarefa de aterrar no fantástico recorte
a carne desprendida dos ossos da ternura
que um dia se cansaram
o ministério do silêncio olho ciclone 
minimalista num plenário de urgências
de fins científicos e sonhos de finas cataratas
está a doca seca de choro
camuflada de gaivotas em coro
a cloaca planetária da alma indígena
onde se esperam batalhas a nu
as enseadas nucleares foram rebocadas
da mais densa profundidade ancestral
marulhando a gaivota socateira
olho branco cargueiro de fantasmas
para desovar um mundo novo de brumas
tem andar de pelicano película de laboratório 
mão de apanhador de coral
ruas submarinas para dar ao molhe 
e conseguir repousar na eternidade 
a carta salpicada de acidentes
desdobrada das enseadas dos olhos
a pique até ao fim

separamo-nos da baía dos tristes
na luta do estômago das redes
em pormenores de finisterra
para se afundar na demanda temporal
nas manobras da neblina cartográfica 
a pique até ao fim