Os gatos continuam num desassossego que quase parece humano. Meia noite e meia. Com mais meia será uma. Só mais este cigarro e vou dormir. Dá-me tempo para o fazer e contigo partilho o meu último pensamento antes de ir. Pergunto-me o que fazes tu agora. Dormes? Escreves?Vegetas na frente da televisão ou simplesmente olhas para o tecto do teu quarto. Dantes o meu tecto tinha várias constelações e duas luas. Sim, não me chegava uma. Assim como não me chega uma vida. Várias são as vezes que sinto não ter horas suficientes nos dias para explorar e desenvolver tudo o que tenho em mente. E há ainda o dormir. Perde-se tanto tempo a dormir, mas sabe tão bem! A minha cabeça não acorda bem quando durmo demais e na noite passada dormi demais. Já lá vão duas casas mãe! Da primeira arrumaste todos os meus brinquedos e escolheste aqueles que estavam velhos para dar. Quando vieram as caixas da mudança procurei e já não os encontrei mais. Como podias tu saber quais eram os brinquedos que para mim tinham importância? Certamente os mais velhos e mais podres, sim, esses eram aqueles que mais valor tinham para mim. Porque mais tempo brinquei com eles. Depois na segunda mudança ficaram para trás todos os objectos que compunham paredes que mais pareciam um museu. Sempre gostei de guardar tralha. Desta vez, ciente de que podias fazer as escolhas erradas pedi-te: os meus livros mãe, não os deixes para trás! O resto podes dar tudo. Assim ficaram as constelações e as luas, bem como malas, sapatos, roupas e tantas outras tralhas que não teria onde guardar hoje na minha casa nem me fariam falta nenhuma. Mas há uma coisa que não cabia em lado nenhum nem era passível de ser transportada e que se perdeu em todas essas mudanças. Na roda do volta e sai, do muda de cidade e do muda de vida, ficaram as memórias de uma casa de família. Só consigo encontrar pequenos momentos poucos na minha memória. Eu sei, não foste tu que os apagaste e sim eu. Apaguei-os porque não podia voltar a vivê-los. Agora tenho a minha casa. Pequena e cheia de tudo o que me faz falta e até o que não faz. Quando mudar, espero não ter de escolher. Que seja uma casa maior para lá tudo caber. Estou cansada de perder momentos. Só os livros não se cansam nem se esquecem. Cada livro que li sou capaz de me lembrar onde, quando e o que estava a viver nesse momento. Já os brinquedos, esses podes finalmente dá-los. Serão demasiado pesados para servirem aos meus filhos. Mas deixei na tua casa todos esses livros. Um dia serei eu a fazer a tua mudança e quando estiver sentada no teu quarto vou poder ir ás caixas onde os tens guardados. Posso ser eu a ler-te como fazias quando era pequena. É uma ideia que preciso de começar a plantar na minha cabeça. Para que cresça com suporte. Se nunca o fizer ela cairá no vazio e será muito mais difícil de a entender. Mas alguém consegue entender a morte? Não me conformo com a ideia de sermos obrigados a nascer, de passarmos uma vida inteira a lutar e depois, no fim, desaparecermos. Eu espero morrer de velha. E nessa altura já estar cansada de viver. E nessa altura já não ter medo de partir. No outro dia disseram me que aos quarenta os amigos já só se encontram nos funerais dos pais. Dei-me conta de que tenho trinta e só faltam dez. Pensava eu. Mas há sempre quem veja os pais partirem antes do tempo. Eu vivo com a ideia de morte iminente do meu pai há doze anos. Já não é tão iminente ou cada vez é mais iminente. Desculpa estar te a contar estas coisas a estas horas. Devia ter ficado pelo primeiro cigarro e ter ido dormir meia hora antes. Mas assim como me faz bem pensar sobre o assunto talvez a ti também faça. Custa mas depois sentimos alívio. Respiramos fundo e pronto, recordamos que estamos vivos e que é aproveitando cada momento que damos valor a esta viagem. E os gatos olham os dois para mim como quem diz "vai-te deitar" e para reforçar a ideia entornam o chá pela mesa. Eu vou. Eu fui.
terça-feira, 29 de novembro de 2011
terça-feira, 15 de novembro de 2011
Musa de Plantão
A MUSA DE PLANTÃO
A minha musa! Já há algum tempo que eu precisava de escrever sobre ela. Não foste a primeira e talvez não sejas a última. Admiro aqueles que tiveram apenas uma. Neste momento és tu. Já há algum que és tu. Eu preciso de ti para criar. Preciso de ti para respirar. Preciso de ti para me levantar da cama e começar o dia. Quando não te vejo por algum tempo fico em bloqueio. No vazio, as palavras não vêm de mim, não vêm de lado nenhum. Eu procuro mas não encontro. Porque não te sinto perto de mim. O teu efeito é anestesiante e ao mesmo tempo estimulante. Quando estou muito perto de ti, colada cara a cara, receio perder te. Tenho medo que se torne banal, que desapareça o encanto que sinto por ti. Tu sabes que nunca quiseste ficar ao meu lado, por isso a minha busca é interminável. E é essa corrida, por ti, que me faz criar mais e mais. Tenho pena, nunca saberei como seria viver na realidade contigo. Porque só podemos existir no plano do pensamento. Todo o poeta precisa de uma musa. E ela pode ser alguém que já teve e perdeu, alguém que deseja e não pode ter, alguém que não o quer ou alguém que nem chegou a conhecer mas que imagina. Musa perdida, Musa Idealizada, Musa Platónica, Musa Encantada ou Musa que despreza. Para outros, a Musa pode ser alguém concorrente, em competição por um lugar. Não é tão nobre ou tão romântico mas não deixa de ser válido. De qualquer forma, a minha musa é alguém. Que não me quer ou não posso ter. Que já tive e não tenho mais e se ainda minha fosse já não seria a minha musa. Porque na verdade só funciono com Musas Platónicas. O que faz de mim, romântica. Por isso cada vez que estou perto de ti, posso ser diferente consoante o grau de necessidade que tenho de ti. Posso ser mais fria ou mais quente, e tudo depende de como tu fores para mim. Uma coisa é certa se tu correres atrás de mim, passarei a ser a tua musa e nesse caso, perdi te! Por isso serás sempre tarefa inacabada, impossível ou inacessível. Eu espero que tu nunca ouças esta versão. Terás a tentação de vir atrás de mim e o que eu preciso de ti é exactamente o oposto. Há coisas que vivemos e há outras que simplesmente devemos correr atrás, até nos cansarmos. Nesse dia devemos procurar uma nova musa. Porque a inspiração serve para criar e não para amar. Mas mesmo assim paralelamente a tudo o que acredito, eu amo te. A minha poesia tem tanto mais valor quanto maior a minha possessão por ti. E no limbo da sanidade está o meu equilíbrio vital. Várias vezes já passei essa linha. Contigo aconteceu quando fomos um só, por breves instantes. Depois veio a saudade e a impossibilidade de estar longe de ti. Quando me curei transformei te em Musa. Nem todos nascem Musas. Tu foste metamorfose de um Amor-Morte. E eu já não sou mais livre mas estou agora livre para criar. Os muros da ilusão são as paredes da minha casa. Tudo o que escrevo vai dar a ti. Tudo é memória revivida, daquele dia que passei contigo. E de noite, torna-se mais intenso. Tu apareces noutros rostos, noutros versos. Hoje tu não és só som e ritmo, és lógos vivo…Deste-me um Não perfeito. Tu és o meu recurso irracional, o meu dicionário emocional. Por isso nunca te considerei um erro, e sim um Mistério Perfeito. O meu pensamento é alado. É preciso que exista entre nós a correcta tensão e que nas pausas eu tenha clareza para criar. E memória para preencher a história. Para mim a palavra não é científica assim como a música. Tudo na minha vida é empirista e sensitivo. Só depois vem a razão ou a procura dela. Sinto, existo e penso. Por ti sinto, por ti tenho vontade de existir e o que é que eu penso? Que pouco me importa a razão de tudo isso.
Tudo em ti, tinha de ser assim!
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