segunda-feira, 28 de setembro de 2015
o mundo dos vivos
o latejamento das ondas dedilhando-me
se pode alguém adiar
aquela definitiva cadência que nos arqueia
a fenda na teia que nos deixa morrer
na praia
ou em queda lenta
pendurado no passado uma existência
longe das coisas respiratórias
um crime branco
a esperança de escapar às garras
dessa monocórdica narração
no empolamento sebáceo
para o arrepio das coisas mundanas
mimiografar para remar
nas areias do passadiço imaginário
as trepadeiras apertando
o grande solar místico do pensamento
e os meus olhos escuros voluntariosos
rasgando traços para promontórios
com movimentos desembaraçados
do penoso fundo que nos entronca
mitigado pela arquitectura rígida
de estatuetas frígidas
-é preciso serená-las,
em confortáveis cadeiras de verga
a essas almas instáveis
paciências de cartas em jogos dispersivos
tranquilo lugarejo da província do peito
fazendo escudo a um ataque árido de sentido
constante
e ser espalmado até à última célula
fixa bem os olhos
no largo horizonte estático
meditar sobre as violentas questões da terra
obedecer caninamente às vontades do mar
espécie de hipnose no plano interpretativo
por osmose a proficiência
esse profético prenúncio da língua intrusa
para dar um mergulho de costas no sonho
e numa dança aquática
no trampolim de um nenúfar escapatório
como uma espécie de segunda natureza
se descobrir cadáver
que apagando e acendendo distraidamente
o farol da alma indo e vindo
no puxar das redes umbilicais
introduzindo num daqueles mundos típicos
feito de linhas elementares
borrifadas de ar curioso
acalentar sorrisos vagos de desespero
roendo essa poltrona de tédio
como se o momento fosse
o de mea maxima culpa
para o silêncio na casa de deus
terça-feira, 22 de setembro de 2015
sobre o destino
deixo que ele corra nas minhas veias
como se as teias do destino fossem
dependentes do atilho
deitado de bruços
sobre a caruma do punhal
os meus punhos são intrusos
e o meu destino é fatal
naquelas coisas de pedras antigas
onde ainda se mói e se definha´
o meu sonho de menina se decompõe
em linhas alcatroadas numa cidade íngreme
enfestada de nuvens de estuque derrubado
à margem da corrente da luz estival doente
fui construída depois de uma ideia de partida
à candeia dos camponeses e dos choros dos sacos
que rolando desfiladeiro abaixo
se perderam na floresta de uma garganta quase
quase com binóculos cegantes
mas que importa tudo isso
se o destino é fictício?
há muita gente nova longe desse vício
se rebentas com os teus males
vales e lados e pontas de aguados arvoredos
que em segredo aguarelo no meu caderno
falam muito e não matam nada!
o estômago estremecendo de fome
traz-me uma caneca de sono
há muito tempo que as montanhas falam
e as folhas passam de mão em chão
combatendo e depois voltando
no fim da estação
conduzindo metralhadoras de escuridão
através desse ruído
embrulhando no cobertor a alma do frio
sentinela examinado o céu
e a cabeça voltando ao extraordinário momento
de patrulha
voando tão alto
mais alto que o próprio céu
sem certeza nenhuma
na delicadeza dos objectos tesos
à velocidade de um esmorecer cigano
ocidental mundano
mas o destino é apenas um pano
ora se coze ora se cose
no alto céu crepuscular se escolhe
na regulação inóspita dos motores
iluminada pelo sol
voavam tão alto
mais alto que o próprio céu
sem certeza nenhuma
podiam ser patrulha
podiam ser ave nocturna de bombardeamento coisa póstuma
voavam na direcção oposta
pouco se sabia da sua rota
-temos uma aviação fantástica
das veias o veio da teia
encontrei um prato que já estava comido
gente séria nas esquinas
as coisas inadiáveis são contraditórias
porque a transplantação de um ramo de família
as chagas dos corações são aladas
o segredo das humildes manhãs
o perfume da encolhida existência
ir onde ainda há expressão de odor
os transes das paixões
vidas medianas de horizontes estreitos
que voltasse o exílio
que voltasse a fome extrema
que voltasse a prisão imersa
perder mil reis na roleta
um pau e chuva e um dente de leite
o contratempo da minha sombra
sempre contrafeito
uma dor ambulante que não nos dá sossego
dobrando a espinha, dobrando a esquina
de que janela partira uma voz desafinada?
pela porta escancarada
uma comoção profunda
do medo da escuridão
de um mundo criado-mudo
o latejamento das veias na testa
se pode alguém morrer de dor de alma?
aquela definitiva decadência que machuca
porque marca o fim da existência
a fenda na moldura
no espelho do lavatório
uma criança de colo longe
das coisas tristemente banais
em tom de prudência
-quando abrir a boca será eterna
A minha aranha tem patas de veludo,
e faz de conta que a voz tem pêlo graúdo!
quarta-feira, 16 de setembro de 2015
o sonho de colombo
o dedo escorregando pelas ripas dos estores
uma coluna de cinza irrompida pelos primeiros traços da manhã
há um íman sobre a limalha de ferro
onde a alma cinemascopada technicolor se espande
nas têmporas espaços brancos de antes
um ror de momentos com traje de noite
urros de sonhos se espreguiçando
esperando onde os vivos não entram
a vibração da esfera pelo contacto dos corpos
acordando devagar
a mentira ocupando a vida dos mortais
envergando a estocada de deus
em círculo solene, o dia sem resquício de ideias próprias
faz-se o silêncio em torno da respiração
com a facilidade do esquecimento
a plenipotencia do pasmo doloroso
há um corpo para pessoas de calibre
ainda preguiçoso
e um pintassilgo de frivolidades ventosas
envergonha a posição de sentado sobre a cama
olhando o infinito
compadecendo-se dos cães abandonados
tolhido, acossado, tal ave estouvada
a tenacidade de um gesto solto
para a vertiginosa evocação à liberdade
bandarilheiros de sangue
à cata de amor para derramar na arena a dor
águias bicefalas batem à porta do quarto
um oceano de águas negras e barcos fundeados
mosaicos de prazer
uns partidos, outros desemparelhados, outros apagados
e na transparência de um cristal
uma jaula de feras: a cabeça convertida em febras
fé no nosso destino!
o balanço ainda das forças vazias
valquíria transformada em pétala
a contemplação de semi-deuses pela janela
enxaguando agora o rosto com água fria
de frente às sombras do dia-a-dia
mais força que o destino
sobre a mesa migalhas
para bandos de aves repentinas
que se descolam do tecto
do varandim o mistério
pincéis ardentes manchando as córneas
esse quadrilatero pedaço de céu
para a sinistra presença de um outro
que se estranha
seria preciso uma coluna de verga
e corações vulcânicos carregados de fardos
das cordas içando
um sobrevivente do naufrágio
pancadas nas tábuas mundanas
a massa azul celeste tomada de vapores
escondendo os campanários e os bicos dos palácios
a noite e a sua férrea cobertura
para anjos tísicos nos levarem à loucura
que nas alturas se asfixia com chiadeira
talvez seja o movimento dos guindastes
provocados de vez em quando pela nossa consciência
onde em vez veleiros podiam balouçar
no seu isolamento
mas os braços sempre esqueléticos anunciam partidas
neste horizonte, tudo é próximo e tão longe
mastros esperando ordens
mecanismos fumegantes
um solidéu flutuante vogando na fé
serão sempre curtos os remos
para as descontínuas imersões
mas pé em terra firme!
a ponta do mundo que perdemos de vista quando partimos
e não olhamos para trás
a nossa mais breve infância
em busca da felicidade em qualquer outro hemisfério
este lugar que ocupo agora nesta mesa de esplanada
é o único onde tenho consciência de estar
a bordo de um altar inflamado
o ar rarefeito nas profundezas das fornalhas do peito
e como um telegrafo, marcando a posição da alma
mensagens chegam à orla da tela
para serem devolvidas em lágrimas fingidas
pessoas opacas como estufas de inverno
são a moradia para uma autoridade alienada
Acropole do pensamento
onde habitam ódios dormentes
tanques comunitários para corpos sem alma
ou almas que abandonaram seus corpos
os seios de Rubens atravessando a rua
para alimentar bocas de dragões
que um dia hão-de dominar o mundo
mas, talvez os navios não passem de botes
os tapetes macios para amortecerem os passos
e banhos de sais e pétalas de rosas
para a imundice se disfarçar de pureza
a tristeza humana se compadecer da natureza
saindo à rua num cortejo sem dor
vivendo de costas voltadas aos grandes feitos de deus
que grande feito o homem
que goza do esquecimento
a pedra filosofal para a perpetuação
heróis transcendentais expatriados de dentro
sobre a hélice que faz tremer o pensamento
o globo terráqueo recebendo hipérboles de sentidos
para todos os paladares
embarcando em todas as linhas de caracteres e sangue
de identidade vaga
semelhante a uma nuvem ténue
agora que contemplo o céu parece mais perto
creio que de pé me parece mais próximo
o último regatear da morte
cogitara saciando
peças de bordado sobre o papel
prometeu e a esperança
mio-oculto imprime-se de montanhas rugosas
esse céu de profundidade pétrea
no rebordo a minha mão deixa-se levar
pelo puzzle de antigas civilizações perdidas
na encosta a multidão que se desloca lentamente
debaixo desse grande toldo celestial
que abandono por cansaço visual
o último porto de escala para o velho mundo
o contorno de âmbar para entreter o ócio da travessia
com a lembrança vazia
a solidão impregnada de espaço incerto
olhando da borda para baixo há uma distância calculada
irmanada pela ilusão de estarmos sempre em queda
mas a esfericidade é um disco na verdade
vindo do pensamento as frotas do alento
se me deixar cair, chegarei ao outro lado
mais um pouco, mais um pouco
permanecendo acordado
silhuetas de pavões e dentes de elefante
só posso estar a chegar ao paraíso!
engolido pelo caos movediço
uma energia latente nos confins da idolatria
cada um nasce onde pode nascer
mas os raios se sol chegam primeiro
ao outro lado do cume espelhado...
sexta-feira, 4 de setembro de 2015
meditação in locus
a orquestra...paisagismo estanque lá dentro
quando o lugar se cliva do homem engenho
goza o prazer egoísta do silêncio
cadeiras sentadas de melancolia
partituras abandonadas nas estantes
instrumentos quedados de mãos doridas
o mantra OM da estrutura meditando sobre si mesma
a gravidade é tão remotamente invertida
que gotas de suor ascendem ainda ao tecto
assiste-se agora ao lugar vulgar da vida
só a luz toma lugar de mudança
quando os interruptores não forem tocados
e o braço da noite pronunciar a escuridão
mas em eco, ecos de eco de salas dentro de salas
a manivela desse piano em movimento perpétuo
prolonga a melodia dentro de uma só cabeça
colectiva. e lembrar-me que numa noite
numa noite como qualquer outra noite
o meu coração parou de bater
paralizando-lhe a vibração
de qualquer coisa conhecida
passos na rua, campainhas de gruas
e tranquilizante de repente
quando o começo de outra atmosfera
uma mão que pega noutra mão
pedir que a aventura comece
tão longe, tão longe
uma voz serena que não mais pergunta
qualquer coisa como a morte
não a inveja a melodia de antes
a vida é a vida, nada mais lhe pertence
e aceitar essa sala vazia
esse lugar ecoando parcelas de ecos
que se refazem e desdobram em outros
e em todos esses caminhos sonoros
ser todos e ser nenhum
nem a melodia nem a mão que a projecta
apenas uma sala vazia
gozando de prazer egoísta
quinta-feira, 3 de setembro de 2015
amare nostrum
os mortos ordenam por terras malditas
a resolução absurda da vida
o pano de fundo afinal pedras lavradas
taciturnas embarcações encalhadas
o transatlântico intramente sombrio
uma palmeira anã de pontiagudos dedos
a única estrutura num arquipélago de pele e osso
onde um piano de manivela emana
soporíferas linhas compactas
servindo oníricos voos de bandeja
o vai-vem das cortinas das vigias
sopro invisível do ponto fixo
parecendo ondular ao longe a preguiça
e estalidos internos
queixumes incertos
-a terra parece estar pronta
parindo cousas nocivas
dos véus, bandeiras e espirais de cores
níveis de consciência restabelecendo a corrente
instigado pelo desejo de cada volta das hélices do mundo
-a fé só pode ser um mistério
o peito arfante, o reflexo do carvão a arder
essa sombra horizontal
onde fios de água desenham presenças
dos acervos das ruínas
ruínas de algum acontecimento
a vibração mística das folhas
cócegas doces para dorsos velúdicos
o movimento das coisas é violento
espírito faquir de todos os elementos
cada hemisfério da terra tendo as suas constelações
sobre as cabeças de peixe abandonadas na areia
fogem os astros das mãos do tempo
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