quarta-feira, 16 de setembro de 2015
o sonho de colombo
o dedo escorregando pelas ripas dos estores
uma coluna de cinza irrompida pelos primeiros traços da manhã
há um íman sobre a limalha de ferro
onde a alma cinemascopada technicolor se espande
nas têmporas espaços brancos de antes
um ror de momentos com traje de noite
urros de sonhos se espreguiçando
esperando onde os vivos não entram
a vibração da esfera pelo contacto dos corpos
acordando devagar
a mentira ocupando a vida dos mortais
envergando a estocada de deus
em círculo solene, o dia sem resquício de ideias próprias
faz-se o silêncio em torno da respiração
com a facilidade do esquecimento
a plenipotencia do pasmo doloroso
há um corpo para pessoas de calibre
ainda preguiçoso
e um pintassilgo de frivolidades ventosas
envergonha a posição de sentado sobre a cama
olhando o infinito
compadecendo-se dos cães abandonados
tolhido, acossado, tal ave estouvada
a tenacidade de um gesto solto
para a vertiginosa evocação à liberdade
bandarilheiros de sangue
à cata de amor para derramar na arena a dor
águias bicefalas batem à porta do quarto
um oceano de águas negras e barcos fundeados
mosaicos de prazer
uns partidos, outros desemparelhados, outros apagados
e na transparência de um cristal
uma jaula de feras: a cabeça convertida em febras
fé no nosso destino!
o balanço ainda das forças vazias
valquíria transformada em pétala
a contemplação de semi-deuses pela janela
enxaguando agora o rosto com água fria
de frente às sombras do dia-a-dia
mais força que o destino
sobre a mesa migalhas
para bandos de aves repentinas
que se descolam do tecto
do varandim o mistério
pincéis ardentes manchando as córneas
esse quadrilatero pedaço de céu
para a sinistra presença de um outro
que se estranha
seria preciso uma coluna de verga
e corações vulcânicos carregados de fardos
das cordas içando
um sobrevivente do naufrágio
pancadas nas tábuas mundanas
a massa azul celeste tomada de vapores
escondendo os campanários e os bicos dos palácios
a noite e a sua férrea cobertura
para anjos tísicos nos levarem à loucura
que nas alturas se asfixia com chiadeira
talvez seja o movimento dos guindastes
provocados de vez em quando pela nossa consciência
onde em vez veleiros podiam balouçar
no seu isolamento
mas os braços sempre esqueléticos anunciam partidas
neste horizonte, tudo é próximo e tão longe
mastros esperando ordens
mecanismos fumegantes
um solidéu flutuante vogando na fé
serão sempre curtos os remos
para as descontínuas imersões
mas pé em terra firme!
a ponta do mundo que perdemos de vista quando partimos
e não olhamos para trás
a nossa mais breve infância
em busca da felicidade em qualquer outro hemisfério
este lugar que ocupo agora nesta mesa de esplanada
é o único onde tenho consciência de estar
a bordo de um altar inflamado
o ar rarefeito nas profundezas das fornalhas do peito
e como um telegrafo, marcando a posição da alma
mensagens chegam à orla da tela
para serem devolvidas em lágrimas fingidas
pessoas opacas como estufas de inverno
são a moradia para uma autoridade alienada
Acropole do pensamento
onde habitam ódios dormentes
tanques comunitários para corpos sem alma
ou almas que abandonaram seus corpos
os seios de Rubens atravessando a rua
para alimentar bocas de dragões
que um dia hão-de dominar o mundo
mas, talvez os navios não passem de botes
os tapetes macios para amortecerem os passos
e banhos de sais e pétalas de rosas
para a imundice se disfarçar de pureza
a tristeza humana se compadecer da natureza
saindo à rua num cortejo sem dor
vivendo de costas voltadas aos grandes feitos de deus
que grande feito o homem
que goza do esquecimento
a pedra filosofal para a perpetuação
heróis transcendentais expatriados de dentro
sobre a hélice que faz tremer o pensamento
o globo terráqueo recebendo hipérboles de sentidos
para todos os paladares
embarcando em todas as linhas de caracteres e sangue
de identidade vaga
semelhante a uma nuvem ténue
agora que contemplo o céu parece mais perto
creio que de pé me parece mais próximo
o último regatear da morte
cogitara saciando
peças de bordado sobre o papel
prometeu e a esperança
mio-oculto imprime-se de montanhas rugosas
esse céu de profundidade pétrea
no rebordo a minha mão deixa-se levar
pelo puzzle de antigas civilizações perdidas
na encosta a multidão que se desloca lentamente
debaixo desse grande toldo celestial
que abandono por cansaço visual
o último porto de escala para o velho mundo
o contorno de âmbar para entreter o ócio da travessia
com a lembrança vazia
a solidão impregnada de espaço incerto
olhando da borda para baixo há uma distância calculada
irmanada pela ilusão de estarmos sempre em queda
mas a esfericidade é um disco na verdade
vindo do pensamento as frotas do alento
se me deixar cair, chegarei ao outro lado
mais um pouco, mais um pouco
permanecendo acordado
silhuetas de pavões e dentes de elefante
só posso estar a chegar ao paraíso!
engolido pelo caos movediço
uma energia latente nos confins da idolatria
cada um nasce onde pode nascer
mas os raios se sol chegam primeiro
ao outro lado do cume espelhado...
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