terça-feira, 17 de dezembro de 2019

tétrico só


um traço obliquo desajeitando o caminho
o encosto do pau ao homem
rebentando o estômago na beira de estrada
onde cantam os galos fora de horas

calvo de buracos nas solas 
aquele resto de sobras 
uma dor enferma de partida 
de se deambular apenas metade pela terra
a lua do alto pobre de palidez e cansaço
espreita por entre as vestes um animal invertebrado
segue lhe com os seus olhos de laranja ardente
o caminhar de fim de gente
gente que já se partiu 
o pano caído de fim de noite
e os aplausos surdos de uma vida de morte

anda uma lágrima sempre caída no canto
castanha nem sabe se pele ou terra
por aqui se rolavam berlindes e saias de folhos
e carros de bois com cornos 
sempre a molestia de se olhar para ontem
e o caminho sempre se tropeçando
segue o foco giratório do farol
não sabe se casa sua ou estrela de ninguém

as unhas ferrando o sapato aberto
porque se não lhes chega nem ao tecto
e o colchão de palha ou o púcaro na asa
e os anjos de alhos pendurados 
ecoam os cantos da igreja descarnada
crianças fantasmagóricas de beira de altar
a noite não é negra antes esverdeada de putrefacta
e na mesa de cabeceira o retrato de maria
estéril fria sorteada menina eterna
o tempo conta-se em linhas de vela ardida
onde é sempre noite de dia
dorme-se com a mão no peito para sentir o próprio batimento
não há pássaros nem rastejantes só arrependimentos

o pousar do espantalho perneta e desolhado
que bate contra as paredes de pedra
porque não há pássaros nem ninguém 
por dentro vive-se porque se foi parido
como tripas de alguidar temperando
que se podia desejar...o raiar..a ceia...a voz 
o consumo das chamas 
por aqui se pede tão pouco e tão grande é o arrependimento
de não ter dado corda aos pés e aos braços e aos olhos
anda para ali um gigante que não quer saber 
de brincas de criança com marionetas
e está um homem de trapos à espera
deitado na sua cama de mão sobre o peito
contando o tempo ardido
imagina-se quarto de quarto em caixa de cartão
o telhado levadiço de uma casa de enfermos
retalho cozido à linha de um poema que só sabe dizer silêncios

e brincas sem meninos...ou marionetas sem linhas
e tão pouco
se encontra a ponta









quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Anima profunda


o curto fôlego do inverno sonoro
acolhe me na casa paterna do submundo
alumiada por castiçais de ossos e repulsas
emanadas das paredes carnais húmidas de sangue
é um ramo de hortenses com dentaduras de aço
é o primeiro assalto da noite para uma gaiola da altura do peito

há no candeeiro pigmentos de purpurinas
ou a cauda de coisas estrelares a descoberto
e a presença recém chegada de uma órbita
que veio para instalar de nadas os sem tecto

levo a mão aos beiços brancos
o tempo vago para a palavra estrangeira
das mãos enxadas para um buraco mais fundo
o corpo papel de seda
ou um biombo de tristeza
Crescem na vez de garras sopros para apagar a luz
do pescoço canos de longo alcance
para fuzilar o vácuo de mais vácuos

depois uma cama de ferro preto arabesco
os livros empilhados na cabeceira
só o debate nesse céu de estuque constelado
e horas passadas em conversação anímica
é um azul brando por trás das quimeras
atados ao calcanhar guizos murchos de inverno
a alma ouriça aberta de beira de estrada
e as águas correndo umas para as outras
uma pomba negra de mácula pelo adeus
ou a missão iniciática do nascimento
ou um avatára síntese do caos
um homem pêndulo cravado o sol na pedra
para lavrar o tempo de mais tarde
de vento oeste o trono corpo de pontas esculpidas
emergir do centro do disco ou da onda da baleia
como uma panaceia de silêncios pacíficos
o mar profundo dracónico
abrindo uma enseada para o palco da alma
o imaginário ovo cósmico
e o coração ainda jovem de sede flamejante

invejo o coração jovem dos flamejantes

as forças inoculadas no âmago de uma lágrima
invocar o céu num furacão
ou ingerir o líquido elemento da placenta feliz

na perigosidade de olhar para a vida no seu todo
tão rápido é-o no pensamento
ás vezes nasce se com esta ideação outras morre se por perto
A morte entretém-nos de razões
A morte pensa com fome
e um pensamento de barriga vazia é perigoso