terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Relógio de Sol II

Não há nada que me dê mais prazer do que ler ou escrever ao Sol de Inverno. Porque é quente e calmo. Pacífico. Na mesa ao lado, um riso absolutamente sinistro dá pela cara de Lili. Uma mulher alta, sempre vestida de preto que sempre que aqui vem bebe por três. E três minutos bastam para que se ria com se estivesse num velho cabaret embebedada até aos ossos. E as amigas falam não se percebe de quê, não importa saber de quê. Foi a golden retriever que por momentos impôs silêncio na Esplanada. Bendita. Que atravessou a correr o estrado atropelando tudo o que se meteu na frente. E ao silêncio seguiram-se os gritos das amigas. Bendita abocanhou a cachorra da D. Brígida, uma chihuahua que em segundos ficou esfanicada. Foi apenas um susto, nada de danos. A bem dizer a cachorra já manifestava o feitio da dona há algum tempo. ~
Meto à boca um rebuçado de amora. Se fosse a minha cadela dava me a mim o fanico. Sempre critiquei aquelas pessoas que falavam dos seus animais como filhos, tanto gatos como cães. Primeiro apareceram os gatos na minha vida, amor à primeira vista. Animal independente com carácter único. Quando o meu gato adoeceu com aquela gripe horrível e ficou internado sem saber se voltava para casa, aí eu percebi o quanto nos ligamos a eles. Tenho alguma reticência quanto ao inverso, se fosse eu a desaparecer da vida deles, será que sentiam a minha falta? Quando chego a casa lá estão eles, os dois de pé a olharem fixamente para mim à espera do mimo que me permitem dar-lhes. Sim que ninguém se iluda, os gatos são os nossos donos. Tudo funciona quando eles querem e como querem, excepto à lei do chinelo, aí eles reconhecem por momentos uma autoridade. Quando a cadela foi lá para casa, ainda nem tinha dois meses, aí eu descobri que os cães de facto são mais evoluídos emocionalmente. Quando falo com ela há alguma coisa no olhar dela que me responde. Teimosa como qualquer criança, meiga e resmunguona, mas sobretudo, ligada a mim. Ou pelo menos tenho essa ilusão. Sim, todos eles dormem na minha cama. E sim, já não encarava o meu dia da mesma forma sem eles.

Aquele que conhece verdadeiramente os animais é por isso mesmo capaz de compreender plenamente o carácter único do homem. Penso que Lorenz não chegou à parte do homem. Eu pelo menos cada vez estou mais longe disso. Não é só porque a mulher ri como uma puta, não é só porque a D. Brígida é um ser insuportável, não é só porque se critica tanto o amor das pessoas aos animais. É porque a expectativa da relação criada é imprevisível. Estímulo-Reaccção. No caso do homem, a equação nem sempre é linear. Mas isto também não é novidade nenhuma, todos nós todos os dias nos surpreendemos com alguém. Para o mal ou para o bem. E até temos algum prazer nessa surpresa. Cria dinâmica nas rotinas de mesmidade. Mas quando sistemáticamente, alguém nos surpreende pela negativa, aí devemos pensar se na verdade essa pessoa tem algum afecto bom por nós. E podemos mesmo perguntar-lhe. E podemos mesmo responder-lhe: vai-te foder. Estou calma, muito calma. Se estivesses aqui podias observar-me a sorrir. Nada disto tem importância nenhuma porque uma vez mais, o sol já se pôs.

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