quinta-feira, 11 de agosto de 2016

palavras migratórias



deixo-te estas palavras na linha óssea
que é tudo o que te posso deixar
olvidar-se do pêndulo a despedida
porque nós nunca tivemos tempo
parto como fonte fome, guerra
a escrita na mão frenética, a mão que treme
na gravitação da ventura do coração
bombeando desta terra a esta terra
de todas as âncoras sem lamentos
deixo um alvéolo um vocábulo aberto
da esfera armilar o equador que lembra
que há horizontes que nos matam
sempre quisemos viver demais
a lenta lágrima que da fonte partiu
que nos transformou em onda de fastio
que vai e vem sem descanso
de noite vagueias sobre meu corpo de areia
essas lágrimas que desenham caminhos sem passos
que deslizam sem rumo pelos meus braços
dunas fantasmas, estátuas de carcaças secas
e querer deitar-me sem a mortalha que me cobre
querer que tudo o que me consumiu por dentro
me consuma agora na maresia
longe das coisas gastas do dia-a-dia
no silêncio de todas as palavras que não te conheci
as crinas selvagens da fantasia irão primeiro
depois os ossos, muito depois os ossos
que de noite vagueias sobre meu corpo de areia
essas lágrimas que desenham caminhos de teia
que deslizam sem rumo pelos meus ossos
dunas de silêncio onde nunca fomos um só
que te posso contemplar no céu sepulcro?
das portas flamejantes do inferno
em teus olhos a escuridão como promessa
porque deixamos um mundo inquietos
da roda livre do tempo inviolado
da fundição de todas as quedas
lutando até ao último sopro mas sem guelras
sermos nós gaivotas migratórias
um homem livre sem terra
viajando sem memórias
numa mente operária do mais nada
porque não te recordas dos nossos sonhos
deixo-te estas palavras na linha óssea



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