quarta-feira, 2 de novembro de 2016
o arado do sonho
o arado vai trabalhando o sonho
removendo daninhos os céus
dos dias que já foram noites
impressões digitais nas nuvens
carruagens calcorreando o medo
do mistério da partida
como uma semente atirada à vida
a terra vai envolvendo e nutrindo
a planta que nasce do reino das sombras
e se entronca de árvore
na opacidade da alma que se renova
ficando a paisagem terrena sagrada
do vagar do mar contra a areia
da lua que se enche de cheia
da brancura dos telhados da montanha
da surdina dos parapeitos da janela
as cinzas caminham com a eloquência
do exprimir paradoxal desse corpo árvore
que se transforma além corpo mármore
o caminho de oferendas frutos
que nos caem na palma do destino
esse palpar de dedos onde se começa
depois o músculo o coração
para que se sinta o sangue do continuar
da onda que se renova de amar
um pedaço de madeira para flutuar
uma jangada do perpetuar
da clausura fantástica da memória
de se ter nascido fruto e raiz
de luto e feliz
porque se nasce de vida e morte
e um só corpo para o tempo
de se ser vivo e morto
todos os dias de inverno são inquietos
de cismar de um sono de ventre
onde se aguarda pelas estações quentes
nesse passatempo de crescer a descoberto
a superfície é branca
como o sentir debaixo da pele a vontade
de emergir fora dela
uma barca do fundo que nos há-de levar
como semente lançada ao ar
vejo, impressões digitais nas nuvens
serão esses os dedos que desenham nos céus
a vontade de chover e nutrir
e partir
carruagens calcorreando o dia e a noite
nesse vagar sagrado de se continuar
a pensar que nunca se vai partir
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