terça-feira, 20 de dezembro de 2016

pontes de céu



a paisagem obscena redime-se
às linhas mais concretas do esqueleto
as linhas que guardam os afectos puros
das mudas de inverno das aparências cruas
a apoteose de uma anamorfose
quando da fonte estreita alguém se afoga
mas a morte é apenas o começo
como retorno a uma infância tardia
o tempo sobe e desce pela coluna
pulsando de vivo o desejo frágil e antigo
reconheço o tempo por dentro
e como tantos outros pássaros
parto sem olhar ao espelho
parto de um próprio e livre sentido de ser livre
como se o fosse só porque o sinto em partir
cada elemento de dor que em mim não coube doer
rendilhando a armação de um corpo que se desprende
para voar deixando o chão
em anamorfose sou todos os olhos meus
e muitos foram os que me viram chorar
mas a paisagem é um regaço em aberto
coberta de farrapos de céu
que à noite, numa parcela de sonho
apenas se apalpa de azul
e do vagar do nascer, do vagar
que nos recorda as paredes do ventre
das primeiras horas da precipitação do amor
são esses braços extensos
que nos prolongam as linhas do esqueleto
o nascer das asas para depois
atirado o corpo contra a luz
nesse compasso de estar vivo
vê-lo partir




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