segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018
zona franca
equilibrismo entre duas placas suspensas
um corpo plataforma de profundidade
ondas de choque em meias de vidro ou vitrais
iluminados de cores de contrabando
um corpo sobre outro corpo em colapso de pedra e luz
para desaguar um esqueleto torre
no arrasto da dor
a leitura dos véus óptica soberana
onde o sequestro ou exaltação da tortura
um drone pássaro olho vivo
um astronauta desaparecendo do radar
deixamos indícios de placenta
pores e nasceres de controlo térmico
ou uma estufa insuflável de inferno
sofro de fadiga sónica
o tempo da propagação do silêncio
do cérebro um altifalante orquestral
tudo em marcha a casa das máquinas
sincopata de ossos em relógios de bolso
algo suspenso que não está no fim da linha
póneis que se vão sangrar no covil da insónia
descarrilar em palmos de terra
o desembarque em fios metálicos
sinto todos os pontos cardeais ordenando
apertos com nós de cobalto de paixão
para deitar flores no gesto soberbo da despedida
acabámos por nos falhar por milímetros
e uma lanterna vermelha com a própria podridão
partes do telhado que ruíram
temos uma coisa inerte por nascer
e dores articuladas para viver
e eu não sei se sou as placas que se roçam
ou esse corpo que se rasga para se equilibrar
ou a pedra que me atiro contra os vitrais
da sagrada esfera que gira a 33.3 rotações
de vocábulos riscados de um xamanismo
tétrico desviado e emparedado
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018
a cidade do medo
para que servem as lágrimas
a cidade ao acordar do torpor
reconvertido do fazer dos dias
procuro por vestígios de gente
fonográfico radiofónico subversivo
os olhos vedados do epicentro
uma sala escura por onde caíste
o pontuar dos rostos que agora murcham
nas cadeiras ajardinadas e raízes
sinto o impacto das encostas
a cobertura roxa das mágoas
a base crua da peça inacabada
peças feitas em placas em natureza cénica
depois lenços abanados ao vento
é a vida que se despede sem tempo
o som da chuva caindo de mansinho
nas mutações de fausto e impulso
tem lugar muita coisa nas horas
para o olho amórfico pentamórfico
e tudo tapetes de flores de cores garridas
vem-me à memória o subir das árvores
as estações diurnas da matéria
quando éramos parte de uma tapeçaria naif
o canto do azulejo já perdido
e todo o espaço que estava por vir
dei-me conta da apropriação do exílio
do tempo suspenso na gravura de acrílico
a água encaminhada para as valas da seca
cerimónias para um adeus
havia um tecto espelho nesses campos
a procissão dos corpos de bicicleta
crianças anjos retidos no limbo
nas ilhas brancas do delírio
fomos talhados da anatomia de um fio
entre o peso e o não peso
promessas de índigo e vazio
e a tia do alpendre cobiça a queda do dia
a estufagem do corpo sentado
essa pedra pele de polimento a goma
e emparelhamentos de roupa sem lantejoula
foi o tempo fabricante da dúvida
esse laboratório de preto e branco
para desfiar pele a metro sem foice
à mão livre, sem modelo nem método
estica a tia as plantas dos pés
sonha com a brancura das palmas da cidade
lá na cidade as meninas têm as palmas macias
e as cinzas do que ardeu na lareira cheira a perfume
de frasco sem morte
para que servem as lágrimas
a cidade do medo tem estátuas
e excremento de pombo cravado no rosto
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018
no silêncio dos atracados
um submarino na voz proteica do ser
que se enrola para o ressonar fetal
no intervalo grunhido aquário
na frequência das ânsias paradas
o ultrasom dos morcegos
um balão alongado na barriga
parindo aparelhos bioinspirados
por inseminação do retrato esquisito
tudo acordando em sedimentos revolvidos
salmos traduzidos do desconcerto
entristecido o animal entregue impotente
o diafragma do mundo arfando
de convulsões ao abate
nessa epilepsia de morte celular
e sonolentas as palavras vão-se libertando
a esmo pelo espaço
como tesouras recortando um novo corpo
de carbono agora o vácuo
organismo marinho dentro de um vaso
com a incrível audição de um grilo
fumavam pensamentos dentro de água
as cortinas ao vento onde não havia mais vidro
o osso sacro esmagado para o raiar
do incorpóreo
dentro a mim chocalhando um mal estar
parto-me de apertos quase desmaio
o cão partindo os ossos ao gato
turvos os olhos fixam-se nas casas enraizadas
o ar que se liberta como fantasma
uma dor de silêncios no cais
aguardando à eternidade
velados por corpos gelados
as horas comidas as vértebras
o pó crescendo para as nuvens cerradas
quando o atravessar é surdo de passos
e a fragmentação do absoluto
se move de ondas que devoram a areia
para o caminhar dos meus pés mutilados
o chão do oceano tão distante agora das escotilhas e ainda outros atracados de companhia
as velas guardadas numa gaveta museu
e eu sou os barcos que secam ao sol
e todas as manhãs que se encostam à estrela
com a incrível audição de um grilo
quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018
uma sepultura menos pomposa
hoje é o dia trágico da criação
as arcadas movem-se presas nos braços das gaivotas
bichos desunhados sem retrato
os cães vibram dos soalhos para ladrarem no escuro
a temperatura desce para a geada dos tempos
um candeeiro permanece iluminado diurno
nos sofás almofadados do interior um anão
remexe ecoa parafraseado de sílabas alienadas
as mãos suportam o frio mas não a ausência de pele
avançam na fronha confusa os momentos da aflição
a manhã aparece morta na cama
o lugar do vazio à mesa
tudo da aspereza húmida da boca murcha
uma dor pendular que só conhece o edifício
a morte insiste no abafamento dos quartos
as pessoas enquadradas no refúgio de sonetos
a hora das refeições um soar de busina
fica o horror do preto de nos vestirmos de preto
a cabeça cega no travesseiro
já ninguém vela as suas paixões
as grandes esperanças afogadas em tanques
de sabão azul inglório
palas de aço esporas de medo
deus sempre ameno e sereno
há muito que tudo foi entregue a belzebu
e o papel do morto queimado
para o lombo luzidio do afago do ódio
os braços peludos de uma mulher gorda
que não passa nas portas
que tem um homem cobarde dormindo nas cochas
meia noite
metade do espírito mergulhado na garrafa
jesus no crucifixo extasiado
o apitar das locomotivas do passado
querer embarcar para ontem
o mato a rouquidão presa na garganta
havia ainda um esgar de bravo
ou a ilusão de inventar carregar novos defuntos
os muros os túmulos caiados de futuro
a pedra óssea de cada cruz
para a fixidez das vísceras e de uma justiça falhada
fomos deixados mortos no lugar dos vivos
secando como peixes em salmoura lacrimal
e um papagaio repetindo-se
na algazarra dos holofotes dos nervos
adubando os tempos de fantoches contemporâneos
para carregar para dentro dos jazigos anões de circo e raízes tentaculares do vazio
querem poemas resolvidos de esperança
quando só tenho espinhos entalados na garganta
segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018
do fundo da sala
as paredes cénicas do limbo
para o desafio da fúria que trepa
gioconda povoada de olhares de luto
situar na intimidade
tudo o que é incompatível com bagagem
agora há um pássaro morto nos beirais
uma mulher que percebe uma criança
a geografia de leopardos delapidados
que correm invertidos da serenidade
a composição do avanço lodoso
um gato cego viajante no bolso
rasurados os tempos
sofrer de manifestações do passado
essa falsa analepse interrompida
o grotesco aberto dos territórios esventrados do cérebro
as mãos mergulham na distância
a inocência em paisagem
ciclisticamente atirar dos olhos um cavalo de chuva
aquele arrebatador intimista azul
telúrico em roteiro de elefantes
tudo em câmara lenta
um tractor casual da metrópole do pensamento
os dias negros redentores
dentro do corpo em transformação farol
a espuma de tudo
homens na queima
a pura exibição das pontas do espaço
as mãos em percussão pelo corpo
ao sopro do esvaziamento
aquático um vocábulo afunda-se na boca
a serenata de uma flauta de bisel
para o suporte físico canónico do ódio
catalítico colapsado tao fundo enterro
que os holofotes em trânsito são anónimos
semeamos as estrelas do eterno
para o câmbio das partículas
para nos resgatarmos dos incêndios
das mangas do ventre sem placenta
a boca sorvente que não conhece peito
e tudo o rasto dos desaparecidos
hoje..depois o canto das marés
uma mão arrancada do esqueleto fotográfico
criaturas sem hipotálamo
imunizadas de partes de orfeu
a semente do vício dos hidratos dos sais
ainda repousamos na linha ao lado dos pássaros
entre os postes abastecidos de electrificação
para o pormenor dos dias
e dos magros extremos
o refluxo fragmento. ..a alma
vinda de um buraco no céu que espreita
e um peixe vivo que escorrega da bancada
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