quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

uma sepultura menos pomposa



hoje é o dia trágico da criação
as arcadas movem-se presas nos braços das gaivotas
bichos desunhados sem retrato
os cães vibram dos soalhos para ladrarem no escuro
a temperatura desce para a geada dos tempos
um candeeiro permanece iluminado diurno
nos sofás almofadados do interior um anão
remexe ecoa parafraseado de sílabas alienadas
as mãos suportam o frio mas não a ausência de pele
avançam na fronha confusa os momentos da aflição 
a manhã aparece morta na cama
o lugar do vazio à mesa
tudo da aspereza húmida da boca murcha
uma dor pendular que só conhece o edifício 
a morte insiste no abafamento dos quartos
as pessoas enquadradas no refúgio de sonetos
a hora das refeições um soar de busina
fica o horror do preto de nos vestirmos de preto
a cabeça cega no travesseiro 
já ninguém vela as suas paixões 
as grandes esperanças afogadas em tanques
de sabão azul inglório 
palas de aço esporas de medo
deus sempre ameno e sereno
há muito que tudo foi entregue a belzebu
e o papel do morto queimado
para o lombo luzidio do afago do ódio 
os braços peludos de uma mulher gorda
que não passa nas portas
que tem um homem cobarde dormindo nas cochas
meia noite 
metade do espírito mergulhado na garrafa
jesus no crucifixo extasiado 
o apitar das locomotivas do passado
querer embarcar para ontem
o mato a rouquidão presa na garganta 
havia ainda um esgar de bravo
ou a ilusão de inventar carregar novos defuntos
os muros os túmulos caiados de futuro
a pedra óssea de cada cruz
para a fixidez das vísceras e de uma justiça falhada 
fomos deixados mortos no lugar dos vivos
secando como peixes em salmoura lacrimal
e um papagaio repetindo-se
na algazarra dos holofotes dos nervos
adubando os tempos de fantoches contemporâneos 
para carregar para dentro dos jazigos anões de circo e raízes tentaculares do vazio
querem poemas resolvidos de esperança 
quando só tenho espinhos entalados na garganta



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