terça-feira, 6 de março de 2018

carnal


o desprender de algo material
a radiografia espiritual de um osso quebrado
osso sacro do peregrino que vai descalço
espreitando pela cortina de rasgos
o lado obscuro da cidade perdida
segurando uma pomba uma mulher queimada
o coração gentil enrugado pelo sol
captura Leica leiga
o barro ondulado barro de sangue
as chuvas caíram
nos campos agoirados as mãos amarradas
os ciclos agora afogados nas cheias
pedaços de tampos de morte boiam
lâmpadas foscas e tombos de carcaças vividas
está o sol partido arrefecido
a pomba acorda das mãos da senhora
o manto de retalhos divinos
o corpo vazio
para sentir apenas o crepitar das estrelas
a sombra morena da fé que desce pelas encostas
nasce o início
do lugar terreno absoluto
as crianças brincam com pedras e vestidos velhos
a decadência anémica decalca os prédios
a pele mais dura de vultos de sorriso pisado
sigo o vago horror de por lá ter passado
os intermináveis corredores
das conchas falamos naquela cidade estranha
atravessamo-nos sem reconhecimento
enlaçados os ombros de um monge mordia os lábios
contava que fosse a hora
aquele intervalo de vida
a chuva refrescante no rosto fosca
vastidões de nenhures desabitados
falta uma folha quadriculada para uma autoestrada
o sol das praias a decantação das fábricas
uma cidade domesticada a respeito decotes e seios
florestas decorativas do apocalipse
e uma estufa com corpos de flores
para a seiva ácida de um arco íris ao peito
embaciada do sonho
a impressão de tudo aquilo ter sido guia
um mundo sem objectos de amor
dulcíssima e casta a pele sonâmbula
pela manhã penetrando
a mesma pedra aveludada atirada antes por arcos flamejantes
e anseio por um milagre de colonização
pisar virgem essa terra com sonho
correr as mãos pelo cabelo
com uma vontade absurda de soprar vento
com uma vontade absurda de esmagar a pomba



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