terça-feira, 20 de março de 2018
mãe, já te choro
subias agora o monte de areia
as redes cabelos embrenhados de algas
sigo-te pela teia no arrasto
sou pequena e reclamo com a temperatura do vento
vai devagar que não me quero soltar
peixe fora de rede molusco sem concha
no apego à vida a última golfada de sangue
para galgar a terra e os homens e a morte
a morte surgindo terrivelmente selectiva
da membrana das crateras que se esculpem
para o tempo ingrato dos ritmos
da impotência dos ciclos da placenta
da síntese da terra dos abismos
que de geração em geração se revelam
depois a mão trémula e o coração de mãe
chegar-me um colo um beijo um abraço
chegar-me o medo terrível do desamparo
o mundo dos elefantes que choram
as reviravoltas acrobáticas de um avião
que não parte do chão
o céu retirado de pedaços de vidro
e uma praia imensa de inverno e nevoeiro
depois tu mãe à minha mão entregas
duas bolas de gelado e um penhasco
há um arco-íris que se desenha
quero mergulhar no oceano mas está frio
sinto pedra nos pés
entre mim e o infinito esse penhasco
depois uma ilha
é preciso deixar a boleia e caminhar
procurar a esplanada mais deserta
a paisagem mais iluminada mais idílica
e o mar no horizonte a encaracolar devagar
na promessa de sermos parte mais bela
meses de verão que não findam
crianças correndo na areia
inteiramente nua a crença na vida
uma súbita nuvem que desaba
para xailes negros de enterro
uma onda gigante que cresce para o céu
a nossa pequenez emerge da sombra
as pernas mecânicas não correm
o nosso corpo levanta levita
uma massa de água envolvente
ainda a crença sem corrente nem abismo
dizes mãe que sonhavas do mesmo
se me incarnam os sonhos de terror
formigueiros de gente boiando
uma tripulação de gritos onde
ninguém se despede convicto
baloiço na vela de um barco salvador
cego de cólera na voz estranguladora
os punhos cerrados contra deus
quero acordar e não posso
abrir uma cova e enterrar o oceano
o próprio imaginário das coisas naturais
a imagem intolerável do fim
encarnar o diabo para não despertar
como o ser mais só
na imagem intolerável sem ti
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