quinta-feira, 15 de março de 2018

mãe de água


para medir forças podia estar descalça
a pulsação da água circulando nas têmporas
as paredes escorrendo o etílico da noite
gotas carpideiras do vício ou inverno
sigo pelos passeios que a alma glaciou
bebemos da taça do cristal necrófilo
e de socalco em socalco nos vertemos
a densidade do soro da morte
no alheamento da estátua mãe
a alma animal levanta-se primitiva
vagas de pedra para lambermos
ao longe escutam-se rugidos
propaga-se como oferenda trilhos fenda
os cães tropeçam-me nas pernas
nascidos de uma paisagem árida de alimento
porque nos vêm velar o esquecimento
e a pequenez de ramos elos
a chuva leva o que de mau há na gente
com os seus modos ancestrais
cabelos, unhas, pele, língua
nas curvas ossadas acariciando-me
cardumes de dedos escorregadios
os olhos presos como âncoras de saudade
mordes a quebra do silêncio para gemeres
as mãos nodosas saturadas de arrepio
vai crescendo entre as pernas o mastro
para naufragarmos nesse chão viral
imitas dos deuses a sua presença
estarmos aqui captura reagentes
as tuas mãos tremem-me na retina
nas linhas envenenadas de sangue
corpos nus carros de bois
vidrados na fadiga de não mais galgar
corpos alados ávidos
farejando buracos tocas para hibernar
o solo transbordando de impaciência
a natureza revolta-se trovejando
eriçam-se as escamas do vento
para a possessão de todas as fibras
os quadris arbustos para o desequilíbrio
sinto-me incontinente de dor
chega-me o atrito da falta de fronteira
não sou ilha, nem banco de areia, nem alga
tudo tem a desproporção do infinito
a inércia dos cascos onde a água chega agora
o pescoço à boca ao ouvido
nascido afogamento do espírito
nascidas de uma ferida desesperada
da tentativa inquietante do romper das sombras
golpeando ondas hologramas
das caves céu evadidos
nos descobrirmos perdidas uma na outra
e a chuva continua no febril abismo
para nós cai, para eles parte
é como um grito ou um beijo que morde
quando tu és eu ou eu sou...
danço porque no ar há menos morte
as raízes já seguiram o seu curso e eu danço
levada por uma emoção desastrosa
típica das estrelas inacessíveis
ou da civilização dos deformados
arrasto do desprezo de me precipitar
tenho o corpo corrupto de seco
na euforia do remédio ofício
de querer das vagas um mantra
e eu sei que danço para não estar parada
quando é a água na sua virilidade
e a alma afinal amestrada
que me satura de espasmo







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