domingo, 30 de agosto de 2020

A linha laranja



havia paisagens alagadas de sol
rijas de céu impetuoso de horizonte 
e secundárias entre colinas intermináveis 
a luz vai se reduzindo para lá dos baldios
graduados pelos parques colaterais de um fundo de cinzeiro 
uns por trás dos outros, periféricos 
como bairros à beira de cidade tecido 
avançando de povoação de passagem
a vida é tão estranha de voragem 
avivando de cores à luz de candeeiros
uma pensão familiar segundos depois de explodir 
duplicai vos nas portas dos espelhos
deixai um passaporte confiado de chaves
e uma tarde aberta em direção ao porto
somos velhos prédios portuários subúrbios 
de encantatória acumulada extensão sem forma
em bombas de gasolina de estrada forma
imaginei penosa essa pensão uma sala de restaurante
alguém saído morto
e um quase ódio fundido 
depois o sol esbatido na caixa registadora 
o balcão de ruas desertas
contrariando as malas
entre o mofo e a alfazema de fundo de armário 
Há tanto labirinto de fundo de armário 
e o banho da claridade da manhã 
a água caindo na impaciência imaginada 
actividade de hóspede enevoada ao vapor
e todo o precipício da tarde...
sinto impunidade acerca deste vapor
entregue e consumado natural
á identidade sombreada de qualquer riso democrático de um ser
paredes cegas portas desconcertantes 
e um jardim arrepiado de sequências de escamas de alma
e de subitamentes encontros de bem estar


quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Escutei atenta mente

 telegrama de obsessão do ocaso parasita

a noite por estrear monumental 

cálculo da demora num post scriptum

no exagero de certas maneiras já o pranto

o que nos mantém afastados de lugares desesperados

para cá ficar o resto da vida instável 

talvez as coisas nunca cheguem a ser rasto

porque há o consumismo varrido da ânsia 

depois ser se vendaval esbatido

vigia se a morte como ave de rapina

a orquestra quieta no salão de baile

queimados do sol e ainda por atingir o horizonte que se achava preso realizado 

a técnica de andar à roda 

onde uma cicatriz que se descose na linha 

para cantar certos duetos de demência 

despiu se, atirou os sapatos ao rio

rasgou se aos poucos na pequenez do escárnio 

e no infalível abandono da composição 

para entrar no estupendo airoso e fictício 

massa analítica pneumática 

os botões ao peito sem mais arranjo

o relógio de pulso parado

no combate à paralisia de um rio já seco

depois um avião pessoal imaginário

pessoas rindo ou gritando no campanário 

por cima das mesas e das nuvens

um sítio em altura para pessoas sem morada

muro infame

(somos uma história comprida em poucas palavras)

trapos arrumados no chapéu do ceguinho

como se desligada a bateria de um velho ditado

e o insucesso do mundo 

debaixo da roda de um camião 

talvez criptografadas  para uma metrópole de linguagem corrente

mas há coisas que não têm explicação 

como o respirar de um incêndio aperto

dou comigo a pensar no inevitavelmente não aproveitado

aquilo que nem as chamas quiseram suas

se pagaria mais tarde 

seria uma figura em pose não artística 

numa quadra festiva que nunca deixou saudade

dizia para os peixes atordoados 

-não sei se falhei na última carta 

ou se a mão foi afinal sempre fraca 

gargantas roucas guinchos infernais

o ressoar lúgubre das velas queimadas

aquela ideia de enorme paredão 

para se entoar um fim afinado.

DEPOIS engoliu um trago demasiado

falei lhe das passagens para o outro conceito 

o mar abrindo o peito a essa velha bruxa de rio

e começava lentamente a bebedeira...

para lhe pendurar por uma corda

onde lhe servisse de forca

o cadáver 




terça-feira, 25 de agosto de 2020

intra Tejo

 


como um silêncio de lápide aberta

ou lugar escavado por ocupar

um alicerce de terreno por erguer

na casa por crescer, há um pós vida

que alguém ainda há-de...

corrompido por altifalantes serpenteando

as sementes dos vivos

um mar morto, petrolífero

onde o processo profundo de um latir

fere rasgando esse manto que abre caminho 

pelas margens dos precipícios 

desliza assim de noite um barco a remos

um pescador recitando linhas de prata

noites inteiras apanhadas na rede

e sempre ao longe um dique abismal

para quem adormece...

nesse sangue dessa ponte erguida

a boca um arpão de rapariga

diz que viemos da água...

desse rio mãe placenta

Ônix águas do espaço que nos separa

quando nascemos em alto mar, caravelas de branco 

mas é no rio que lentamente flui a morte

uma narrativa de luz baptismal

e nas margens, espantalhos de ramos ardidos

grifos mesclados na encosta rochosa

e ruínas de lugares termais

como pode um homem alinhavar as horas da noite 

sentado num baloiço de casco, um pico de topo, terror noturno 

algo que pasta por ali sem ser gado

apenas lamento 

leva a mão à água que bate contra a margem

a gélida presença no rosto que precisa despertar 

e num piscar de olhos, lá entre a sombra de nenhures 

Seu pai, acenando a boa sorte 

para a travessia mais esbatida da via lactea

a tarefa de se colher da água a alma

e dar de alimento, ao corpo