terça-feira, 31 de dezembro de 2013

O Fio das Palavras

A torrente é amiúde
climatizando o sentido
a cada passo escrito

vítima de uma vontade
de artesã insurreccional
paixão gramatical
À Liberdade!

E que por elas
nos levantamos
e que sem elas
nos definhamos

Ao largo, sozinha
no centro
A palavra é o único
momento

uma dor só no mundo
uma folha que a ignora
e cai que teima, chora
a brisa que aclara a aurora

Não importa a perspectiva
elegias marinando
lágrimas cristalizando
e tudo
num imenso trânsito

Velhas, novas, negras
brancas
sem alarido de auto protesto
récuas em metáforas singelas
cruas, duras, anarquizantes
telhados dos afectos
dos amantes

E que sem elas o que seria
de nós?
Quem tradução
do batimento, abatimento
e alegrias fantasias?
Que o pensamento descarrilando
em reacção apenas sendo
partícula sem filamento

Enfim...
às vezes em desabafo
nos cansam
nos pesam
nos matam aos pedaços

Mas são e serão
sempre
o encanto dos nossos laços









domingo, 22 de dezembro de 2013

Votos natalícios em papelote

Como uma linha
de esparguete seco
serve de entretém
e enfim de mote
para que o papelote
possa cozinhar
um desejo:

-observar como brinca a gata
-segui-la com os olhos por alguns minutos
-cortar pequenos quadrados de papel e dispo-los num tabuleiro

Ir aquecendo o forno com um bom Jazz
Acender um cigarro, beber um golo de chá verde e começar

Para a massa:

-100 g de água quente passada pelo corpo (pode apagar a luz e faze-lo à luz e vela
como sugestão)

- 40 g de espelho (de preferência vestido com algo atractivo e aparência cuidada,
demore o tempo que quiser aqui, o resultado requer dedicação)

-280g de estrutura: há que buscá-la nas gavetas da infância naquele momento 
em que começamos a descobrir que temos capacidade para dizer sim ou não,
gosto disto ou daquilo, quero mais assim ou assado, sinto-me bem ou mal,
posso ir até aqui ou mais além, gostaria de...

-uma pitada de amargura (vai permitir que a massa fique consistente impedindo
o aparecimento de bolhas de ilusão)

Esfregue as mãos uma na outra e amasse bem todos os ingredientes até fazer uma bola
inteira agregada. Procure pelo rolo "dos outros" e deixe que estendam até ficar bem fininha,
cuidado para não chegar ao ponto de ruptura. Procure pelas obrigações e pelos papeis sociais
e corte então a massa entendida em quadrados, rigorosamente iguais. Deixe a repousar.

Para o recheio:

-70 g de memórias maduras, plantadas sem aditivos e colhidas no tempo certo
-1 lata pequena de obstáculos que já conseguiu ultrapassar
-120 g de lágrimas que só lhe fizeram bem chorar
-400 g de amor, de todo o tipo de amor que conseguir encontrar, que já deu ou recebeu
-Novamente, uma pitada de amargura para contrastar com tanto doce
-6 desejos embrionados (deve sonha-los e desejá-los com todas as suas forças)
-1 colher de chá de carícias íntimas (lembre-se que este é o corpo da massa!)
-Raspa de dois livros de poesia: um sobre vida e outro sobre morte (queremos o recheio
bem equilibrado)
-esperança para polvilhar por cima

Triture as memórias e reserve. Triture os obstáculos e reserve também.
Em lume brando vá mexendo as lágrimas e o amor bem devagar. Queremos que fique em ponto de estrada. Retire do lume e acrescente as memórias, os obstáculos e a pitada de amargura. Envolva tudo com uma colher de pau. Adicione os desejos, as carícias e as raspas dos livros, sempre envolvendo
com toda a sua dedicação. Volte ao lume por mais alguns momentos, sempre atentando para que não
se queime.


Recheie então os quadradinhos da massa. Não é preciso que fique muito preenchida. Pode usar
uma colher para medir cada dose, assim terá a certeza de todos ficarem iguais.
Junte as pontas dos quadrados e faça um embrulho com o papel.

Leve ao forno 40 min e ofereça neste Natal.

Nota de Aviso:
Não se espante se, ao consumirem o seu voto os outros tenham manifestações como sorrisos, vontade de abraçar, chorar, calores súbitos, gemidos e até em alguns casos raros, alucinações ou fantasias consigo. No caso de os ver pendurados numa janela já sabe, agarre-os!














terça-feira, 10 de dezembro de 2013

beija me nos lábios
agora
estão protegidos com bálsamos
da noite escura
ergue-te e caminha risonho
orgulhoso de
teus nefandos crimes
modernos hindus
que hoje rezam de pé
já nem é preciso fé
é costume cognominá-los
lá do alto do fogoso corcel
ai não, afinal a fé está morta
foi confusão prodigiosa
apenas do meu olhar

e se restaura a cada lábio
artificial






Pária

pararias um só segundo
de criar o teu mundo
só porque aos olhos
de todos os outros
és apenas mais
um vagabundo?


purana
na era do hipnotismo

em sessões experimentais
gota a gota
por hábil gramática
de combinação assimétrica
homem, mulher
porque tem o alfabeto sexo?
devanagari
a cada um o seu par
e todos o verso

em sincretismo
as próprias cinzas
na candura
um guerreiro ferido
esgotado em sangue

a adesão absoluta ao rei
e aos pobres de espírito
aos seus devotos
e ao admirável mundo

numa e noutra parte
Sava munisa me paja


SE a terra tivesse um apoio material
e esse outro que o elevasse
e por aí fora
até ao universal

não seria outro lugar?
onde fosse bom acordar


Um livro nunca aberto

Essencialmente
naturalista
aguardando no alfarrabista
de concepção equivalente
deixado ao toque do infinito
teogonia de aceitação
em reacção, no chão
em cooperação de Karma
Deus único e imaterial
de perfeição à mão humana
e filosofia mundana literada
onde o pensamento
é superior à acção
pelo amor
à invasão do apego
ele pede:
-leva-me para casa




sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

É uma roca!
As tripas lhe estão desfiando
abrindo-se bolsas
caindo moedas
dois leões estatuados
lenha verde não arde
que a comadre não se zangue
enrolando com a agulha
o fio que nos prende

Não traga luz para aqui
o xaile pela cabeça
damos as boas noites
jogando a barra
em terreno sacra
é a voz do Tónio
Tua mãe precisa de ti
temos zorro
saindo de trás do morro

e na arca de pinho
ainda de avental
deixou uma lágrima
de hora a hora
a vida melhora
tira-se-lhe o freio
a benção primeiro

e de seguida engoliu-se-lhe o senhor
-Uma roca, é tudo o que preciso
por favor

Descalçou os sapatos
mergulhou os pés no mar
estava um frio de rachar

sem dizer uma palavra
escutou
a presença constante ondular
o coração estoirava
quiçá encontrá-lo mais tarde
objecto do sonho
enfrentá-lo
numa madeixa rebelde
pentea-lo
serei um bom costureiro
quantos pedaços de terra
de textura grosseira
e paredes decrépitas
e eu disse-te para seres
paciente

um hexágono
irrompia como espigão
de fogo esgadelhado
e alguns olmos
desequilibrados
pendiam ao chão

acabrunhado
o ser desmanchou
do fundo gemido
e dor de sombra
uma inquietação idiota
impunha um novo andar


Muita gente à mesa
da travessa a festa
que coisa asseada!
que há-de estimar
da altivez de estar
-uma fraga de cada lado
onde o mar é agora
riacho

e chamá-lo à realidade
Transe crudelíssimo
-e se começasse amanhã?

do passo à bruma
da bravidade vagabunda
répteis e aves
fugidia e ténue
onde os olhos flamejam
como se fossem
lôbregos
ases






quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Mais tocada do que tu
por um certo mal que me aflige
e a resposta obriga
a uma certa desilusão
em cima da colcha
terna e melancólica
à beira da cama
um destino que se cumpre
quando a criança reza
num impulso instintivo
de atingir  tempo
do absurdo

Que mal te reconheço?
como nos dedos inábeis
num género de coisas fáceis
creio eu
que os pedaços são cada vez
mais pequenos
por hábito ou formulação
de preguiças ou meandros

Gestos lentos e sonhadores
como uma colcha de croché

Deus
para reconhecer a alma feminina
teve de expulsá-la da sua área
apaixonada
vertiginosa
irreflectida
como se deseja uma jóia
ou será a boca de uma jibóia?

Abrir-se-ão na Terra
em carícias ternas
a limitação é o catalizador
supremo sonho
ligeiramente diferente
do Outro

O papel mais cativante
em má gestão de turnos
numa história pobre
de acontecimentos verídicos

Aos extremos
sim, um brinde
à memória, ao corpo
ao espírito do calulu
à marca de nascença
e até uma certa angústia
trágica ou cómica
às meditações absurdas
aos homens efeminados
às irmãs siamesas
à sorte maltesa
e decerto
aos confins da natureza

Brindemos
Juntos
Eis por fim
a página que nos diz respeito
que ecoa do meu crânio
disforme de realização modesta
da minha experiência sincera
a meios insuficientes
em todo o louvor
que se abre das asas de um cisne

Mais forte que um tornado

Poesia de Academia

Enlouquecido pela magia
dessa boca que infringe leis
nesse turbilhão de palavras
e de tantos não seis
Quimera de Ouro
tudo laçada no ovo
nuvem vertiginosa
de limalha nocturna
se interroga a dor
que aos bocados nos foge
e decorre por canais vagos
inalienável beleza
que eventualmente
não esmoreça

Oxalá

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O Homem de cabeça virada

-Que estupidez!
Se o meu corpo caminha para a frente
e a cabeça para trás...

E o livro quebra-se
a cada página virada
da altura se precisa
de algum toque de companhia
de ultrapassar a ruptura
em dedicada luta
se a vida pode ser indelicada
que quadro arqueado!

-A senha por favor
Soberba beleza
desta terra de palmas
limito-me a agradecer
tudo-nada melancólico
prolongada alma

Como se tudo fosse
um jogo de spectrum
com o maior cuidado
um a um
descendo os degraus
da ternura lado a lado
de antiga simetria
à maneira de uma gravura
de cor e luz
van gohgiana

-Leva tudo agora
insinuante professora
estonteada preciosa
a da menção
"muito audaciosa"

Tranquilo
como o barco que baloiça
sozinho

E com a cabeça
apertada nas mãos
trazendo o alívio
lá em cima indeciso
em misericórdia
consolação
-cora, com razão

Minuciosa
mesquinha à medida
esse compartimento
de encadeamentos
a minha humilde farsa
pálida, de sorte a obra
ficcionada

Uma mensagem aérea
autora da narração
no ideal eléctrico
uma voz longínqua
nitidamente a minha
de um dia primaveril
-o carril onde está o carril?

Felizmente que o homem
tinha a cabeça virada
e não me viu

assim, estouvada