sábado, 31 de maio de 2014

Deixai as coisas desarrumadas

Nas margens do rio Nilo
-há um encantamento que do ventre
em marcha descompassada,
a alma salvando pessoas por aí...
se despe

e isto na era da máquina
temos todos os ingredientes
e ainda tudo nos falta

nem sei se dentro
se fora de casa

é o caminho que esmaga
os homens

ele é moço: mais dia menos
dia, esquece





rendilhando quase imóvel a sombra
de uma intolerância humana e casta
conversando de folha em folha
num banco debaixo da árvore:

-tens um timbre familiar,
de urgente fera glaciar
mas nós por aqui somos
mais do género de dar

um fim de mundo que aguardava
o testamento pelo impressionismo


o poeta aliena-se do mundo para o perspectivar
o homem insere-se no mundo para o dominar
o poeta homem torna-se mundo para o eternizar

e pergunta o caçador sobre a besta:
porque foge dela própria?

Acquiescentia

dobra a carta com um certo carinho
diz que é da medicação que a deixa mais meiga
-olha aí está ele, esse traste..eram outros tempos!
eram armeiros, muitos irmãos que se juntaram
-era muito nova, nem sabia o que estava a fazer!
como sofri e lutei para encontrar a paz depois
-rasga isso tudo, não vale nada ao teu futuro!
íamos de comboio, mandava-se esperar por nós
-sabes que afinal encontrei o silêncio?
esteve onde nunca partiu, dormindo comigo
-não quero o meu corpo a decompor-se na terra!
sal, é preciso é sal, e das lágrimas se bebem
oitenta anos que se despedem

Tua para a eternidade,
Santiago

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Do pó à Terra

com o barro de que foste feito
das mãos que rotularam o peito
absoluto e estéril
peça de decoração fútil
desajeitada desencaixada
jarra nipónica barata
daquelas que até na gaveta
à vista incomoda
-venha a mim e beba!




Monopólios da Fúria
-um ser que existe na invisibilidade
a culpa é da luz que não foi absorvida
nem refletida
she's lost baby lost she is
à luz da culpa que não é absorvida
e incapaz de ser refletida
só lhe resta mesmo...a  Fúria
sem Monopólio

He's just..He is..He was..just He

Composto Ela

o auto atravessa a vila
destituída de malícia
apenas nesse dia
-querida sentia-a sua
esta mão que não tem idade
ao corredor o primeiro andar
o menino junto à cama
-pega-lhe e beija-a
uma última vez
em despedida graciosa
a cigana lê a sina
à porta da morgue
-vá mais uma moedinha
para dar sorte!
e na praça central
chega mais uma excursão
de carne e osso banal
a passos de silêncio
se juntam à multidão
estrelas, céu, cometa
santa mulher, a peregrina
-o senhor é um exemplar raro
e ajoelhando-se chorou
sentiu vontade de esbofetea-lo
e o cigarro na ponta da boca
falou: nem sei se doloroso
ou grato, vamos tirar um retrato
ergueu a gola do casaco
Megatério ou Mistério?


quarta-feira, 28 de maio de 2014

É muita água

traduz o ósseo o cavado rigor
a cavalo no ócio se monta a vapor
o romance cor de rosa do senhor
compatriota de uma neurose pobre
um bocadinho de mel e cobre
caminho de uma lei em toda a fé
capítulo segundo de tudo o que é
momento profundo um assalto
ao pensamento, fui criado no vento
termómetro psicopático obsesso
de em tudo querer um começo
e que por meus dedos se escorre
um entremeio
julguei que a minha voz era forte
violenta, grave
depois procurei no silêncio a parte
O amar, reverenciar e servir
e ainda sem saber que a palavra
era substantiva, adormeci no verbo
esperar
-minhas perguntas o que é o mar?
Tenham compaixão daqueles que
duvidam





Dá-se no escritor ao contrário

continuar ininterruptamente ligado
de perder um certo pudor exibicionista
-é que a morte o levou sem saber
uma morte cerebral, afectiva, vital
nasce além, dá a volta à tua mãe
e distingue-te das histórias dos demais
se o sol se escondesse todos os dias
da palidez seríamos espectro
todos os dias seriam dias
de tamanha pequenez
e depois para que serviria a dor?
e tudo continuamente ligado
dando a volta à terra e ao telhado
subir extenuado de tanto querer subir
perder os pés do chão avoando
levantando da efemeridade o corpo
deitar me assim de qualquer maneira
vestido, calçado
para o caso de lá ficar mais um bocado

terça-feira, 27 de maio de 2014

Diálogos de Incontinência V

metem-se nos sentimentos
e andam às voltas sem consentimento
sem conseguirem libertação
de uma escravidão
de não conseguir apenas..estar

e na expetativa de algo conquistar
de não chegar a perceber
como não seria nem querer
-não queria traí-los, apenas usa-los!

não
o medo parece sempre mais digno
amavam as mesmas fraquezas
e nunca chegaram a nenhum sítio

o tempo entre comparsas servia
apenas para matar a fome
de um nem sei quê de ausência
de complacência piedosa

-estava farto de andar a fugir
vais ver se ela também pega em ti?
farto de amigos a quem se encosta
uma vida que de tão torta parece
redonda!

Diálogos de Incontinência IV

-Tenho algum receio de dizer aquilo que penso,
o que é que os outros vão pensar?
-O truque é simples: crias um perfil
de completa loucura e então, quer tu digas que
te vais matar ou que te vais casar a reacção
nos outros será a mesma:
-o que é que eu vou vestir?

A cachorrinha

ela dizia que tinha saudades de Paris
contava que nem à terceira foi de vez
que coitados dos gatos gaseificados
que a culpa é do gás deste País
e quem será o pai da criança?
umas aulinhas de defesa pessoal
não fariam diferença, uma fartança
e o piu piu que não faz mossa
anda num corrupio atrás das moças
e que interessam as conveniências?
o que a malta precisa é de novelas
que isto da escrita é muito biográfico
ali ao lado há ménage non stop
e amendoins em copos de plástico
é melhor recolher o microfone
estamos a ficar todos hardcore
geração punk rock a precisar de botox
e é isto, um exímio sarau de cultura
gratuíto e que em nada alivía a vida
mas lá que me piada mete, mas meta
com jeitinho que é para não ser tão
cansativo, Já dizia o Vinicius:
mas que amor de cachorrinha!
e a culpa é sempre da puta da poesia




Em Hanói

pela suas feições cansadas
pelo seu olhar sonolento
ás vezes desaparecia de noite
em companhia de raparigas
aqui vende-se fruta feia
apenas saldos saldados
de uma lona branca insólita
destes sapatos de lamé
que dançam e ninguém vê
um sorriso que não está mais
faço tranças antes de me deitar
ponho pó cor de carne para me
corar, e no ênfase de cerise
o perfume do sabonete Palmolive
aos dezoito já me riscava
por debaixo dos olhos
e na película um
elétrico desejo melancólico
Marilyn, Marilyn
minha Norma Jeane



segunda-feira, 26 de maio de 2014

Lições de um pai

1ª - O meu pai ensinou-me a ser diplomata
mas que ninguém me ponha a pata em cima!

Há uma voz...


e numa espécie de soluço de ocasião
tudo parece ter voltado ao lugar
Ela está no meio de nós: é hora de abraçar
-Compreendo as suas palavras Doutor,
mas não gosto que se rotule assim a dor
E tinha ainda um cachecol para o caso
de a garganta não cicatrizar
Há que improvisar as grandes massas agitar
fisicamente estou-me a preparar
com um ar triste e doente
continuamos a dormir de mãos dadas
e a ser complacentes com a negligência
e das pernas ao umbigo o erotismo
apetecia-me nadar nua no Nilo
-ouvi dizer que está demasiado poluído!
sempre em erecção, seja qual for o sonho
vamos experimentar: estupidez universal
o filho de Deus está a bater na porta
esteve toda a manhã num desassossego
infernal
-voltou, voltou a voz categórica ou amorfa
em todas as línguas, o ideal estético suicida
a negação absoluta - estamos na merda!
a voz é esquizofrénica


Diálogos de Incontinência III

hoje acredito que os movimentos
que passaram
foram apenas
um simulacro, um ensaio geral
os atores não arrumaram o papel
e as cortinas não foram corridas

a utopia certamente
extrema direita de pé firme
a que se chama de ditador
e ao adversário a dor

e que o disparate nunca acaba
nem a barbárie se engana
e que há mesmo forças obscuras
que entretanto nos divertem

-não encolhas os ombros
o desprezo não te faz menos preso
e acabamos por nos convencer
que somos mesmo responsáveis
por tudo o que ainda irá acontecer!

-que esperas de mim?
como amante, fiel companheiro
impulso e irracional
cão de guarda do medo
-espero que a estreia nos supere
e que os anões não se constipem

-não contes comigo,
é demasiado tarde...
-se não estiveres presente
tudo foi em vão
julgas que as escrevi?
O Ser e o Nada...ah sim!
é por aí
depois logo se vê...

Diálogos de Incontinência II

sabes que somos poetas
..e assim se perde
a qualidade do artista:
não trazer a mensagem do mundo
mas sim a oposição à vida

observo mas não vivo
sinto mas não toco
imagino mas não concretizo
idealizo mas não creio

alguns nomes
são como a água e o fogo
uma loucura próxima do jogo
da celebridade da tragédia
de deitar fora o futuro
de não haver outro rosto
tríade edipiana adiada
..e nada mais que espelhos
de encosto à contemplação
dos veios vazios do coração

-portanto as mulheres aborrecem-te?
mais precisamente as ligações ingénuas!

Diálogos de Incontinência

-tu não estás em mim
o mundo não está louco
o coração não é pouco
as histórias têm um fim

-vejo-te inquieta na procura

as cores, os passos, os canais
somos afinal todos especiais
o teu diário é verdadeiro
de consciência e sentimento

-se eles se ouvissem

cartuchos de pólvora seca
amendoeira sem flor
perdendo a confiança
de encontrar...

como se quisesse voltar ao início
o que farias de diferente?

-artistas assim há poucos,
tão sensível e profundo!

se calhar era preciso chorar
sem culpa nem remorsos
-há coisas mais importantes
do que me roerem os ossos!

o luar bateu-lhe em cheio
sentiu ternura no peito
o carro da frente já ia cheio
...foi um momento de sorte

diziam-se aquelas coisas
num tempo em que as vidas
eram como fatias de presunto
-a culpa era das virgens!







domingo, 25 de maio de 2014

Um encontro falhado

Tens alguma certeza do que queres?
de absoluto só tenho os talheres
uns para carne outros para peixe
e o relato infernizava a mente
que entediada deixava escapar
ideias que ao próprio Nietzsche
fariam corar
talvez me apeteça moamba
estou curioso com os quiabos
nunca comi mas parecem-me
demoníacos

e o que achaste?
desculpa estava distraído na bola
já pediste a conta? tenho pressa
e agora? podemos ir para casa
ou talvez dar uma volta na rua
estou cansado nada de festas
nesse caso agradeço
a tua ausência o teu desapego
estás a falar de quê?
não estive todo o tempo ali?
fui eu que te convidei não fui?

ela sorriu e num beijo na testa
deixou-lhe a ideia:
vê se aprendes qualquer coisa
mulher não é cão de loiça!





Ela vive
no topo da colina mais bela
vadia ondulante singela
Ela vive ainda
pensa e sente como menina
Ela vive no agora
neste preciso momento
onde se ri e se chora
Ela vive na ideia
de encontrar a resposta
na boca de uma andorinha
que de longe se aproxima
Ela vive
na estação da Primavera
no canto de uma nova era
de valores de crenças
no olhar de uma criança
no brilho de uma estrela
na mão dada pela rua
Ela vive...
vai-se deixando estar
paciente tranquila
segura de encontrar

Ela vive
e é feliz sem o saber






quarta-feira, 21 de maio de 2014

Aliteracia Digital

guardo te um beijo no bolso
na cova de um dente
moro na quebra do verso
no engano da gente
uma flor então murcha
e na pele que nos deixa
se espelha uma virgem
levo te um pouco ausente
um ser de gigante
na voz de um poeta
a doença inquieta

levo te para longe da vista
na razão a fadiga
e na minha leitura
uma paixão analógica

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Illuminati

pressinto que vou deixar de comer carne

estava a comer um pedaço de frango
quando me veio à ideia de estar a comer
o meu próprio braço
sim, carne da mesma carne, animal
e que tudo isso me estava a causar náuseas

carnes novas, velhas, cruas ou aromatizadas
quando tudo não passa de uma mesa posta
onde se comem duas bestas






domingo, 18 de maio de 2014

perdi o Silêncio no comboio
viajou, foi mais longe do que eu
provavelmente agora está noutra estação
talvez noutras mãos
perdeu-se, não volta a mim
e era único
poderia comprar outro exemplar
mas não seria o mesmo
a quem ele pertenceu
não pertence mais
talvez esteja certo assim
que o Silêncio pertença sem dono
que se perder e deixar por acaso num banco
alguém o há-de encontrar e tomar como seu

que o Silêncio não se fez para estar muito tempo
num mesmo lugar



Há sempre um relógio a tocar nesta casa
a tocar a uma hora qualquer 
a lembrar sempre de qualquer coisa
porque a toda a hora é hora de qualquer coisa 

Também no pulso dela há um relógio
um relógio que dá horas a todas as horas
horas que ela procura a toda a hora
porque a toda a hora é hora de qualquer coisa

que horas são? diz-me as horas
preciso de saber que horas são
são horas, está na hora!
mas hora de quê?
horas de qualquer coisa

Espectadores

Provavelmente somos tudo isso
num reboliço que nos atira de um comboio
no qual viajamos de costas recuando
branco, puro, ingénuo
ou alvo de egocêntrico
é um comboio de carga pesada
de campas passadas
e campos extensos de nada
que avança e nós de costas
sempre de costas
vendo descoser-se uma paisagem
espectadores de um tempo que se anula
em destinos desenhados de espinhos
que alguém por sorte perfumou de rosas
e a viagem é menos dolorosa




segunda-feira, 12 de maio de 2014

Boletim Meteoro Lógico

desafio as leis do movimento
da gravidade do agravamento
abrindo um guarda-chuva
num dia de sol imenso
porque um dia há-de chover
o equilíbrio perfeito
que dentro da cabeça
faz sempre outro tempo


Subi tá mente

empilhamento de cadáveres em células telescópicas
transposições que debaixo da terra transpiram esperas
voam de perto bandos de pássaros se embriagam
de um cheiro de renovação floral e utópica
caindo juntas as gotas se aleitam em crateras
tudo em folhas secas se repetem estações
anzóis do tempo para vida em envelhecimento
pontes que nos seguem a dentro de instável
passagem
bastaria um só gesto de plenitude
desdobrando um nascimento em lábil

prolongamento
alguém sentado sobre a cama
descobrindo um piano sobre as mãos
teclas de uma escala kafkiana








sexta-feira, 9 de maio de 2014

A Paz


numa penumbra doce
asfixiada inquietação
gosto de te ver fumar pela casa
os dias que ficam longe
por detrás dessa janela baça
cosendo espaços
em frascos de vidro
fechados
e no meio de tudo isso
flores que entortam o tempo
nenhuma dor te desperta
dessa segunda natureza
comovente urso polar

uma andorinha trouxe
a maçã polida embrulhada
em pele de chita
entrando dentro de casa
pousou-a sobre a mesa
e retirou-se

-os animais do norte
não conhecem a morte
tal como um peixe
não conhece os cantos
do seu aquário
ou do seu armário?

ajoelhou-se
-espera que me deite
as florestas brancas
estiveram todo o dia
vagarosas
-um dia desço à cidade
só para conhecer a origem
desse veneno escarlate

com um sapato em cada mão
de repente, correr
recuperar a elasticidade perdida
sentir os cabelos vivos
entre a janela e a porta
que se arma lentamente
o movimento de vaivém
jarras de cristal
linces de sentidos

basta estar receptivo







quinta-feira, 8 de maio de 2014


o tempo tem voado tão brusco
cada segundo que passa é menos um
o crepúsculo que se segue e amanhece
jóias que não deixam reserva
imaginários de pudesses ser
tantos seres num só tempo
numa totalidade de misto místico
não aprendemos nada nos livros
é um coração embriagado de mundo
absoluto e franco, sem tamanho
o esforço de arrancar a planta com raiz
de nos mudarmos todos para o planeta
dos velhos, onde só há velhos
um planeta talvez feliz
levo um rosário para fazer de contas
um jarro sem água, uma aguarela de branco
que sou um cão vadio com trela
fiel apenas a uma tirania: 
a vida

posso velejar, trautear avançar
que não falte nunca horizonte
para me deslumbrar

posso tudo isso e ainda voltar
à fonte
e aí repousar o meu olhar
sobre os objectos, as pessoas
que antes me pertenceram
e deixar depois, depois de tudo
as palavras maravilhosas
descansarem também elas enfim
na mãe folha poética
que infinitamente as devolve
à terra

posso
que os limites são tudo farsas
que a mente nos aprende
a sermos pássaros sem asas





Pingo IN


tantas vezes bastava
um gesto, uma palavra
que nunca é dita
um aconchego que não chega
uma ponte caída, fica

por ali
como se fosse natural o ser

e da neblina de um estar pantanoso
emergem apenas figuras estranhas
ramos, corpos nus, ruídos digitais
em solidão esticando cordas vocais

por ali
e da cegueira que lhe é característica
apalpação casuística






terça-feira, 6 de maio de 2014

Só céu


metade para ser uma verdade
a copa de uma árvore siamesa
a continuação de um poema
o outro prato sobre a mesa
íman normal e permanente
o norte e o sul atraente

eletroímã
porque choram as paredes
na casa dos segredos

serão apenas abutres
sanguessugas energéticas
passadeiras da preguiça
portas fechadas de malícia
que a morte os nutre

deixem-nos sonhar porra
se não sois capazes do mesmo
ninguém precisa de paredes
e mentes feitas do medo

infecunda e devasta
hospedeira de uma bolha
telhado de ferro barco de lata
o arraso de uma casa
ao fundo do improfundo
oceano de nada

é essa a outra
metade que aguardas










Mas Deus,
há muito que fui esquecida
não sou mais que folha lisa

pela areia caminhando

era uma praia deserta
alguém amarrotou a folha
demasiados anos em silêncio
porque não há sequer danos
pela praia fora
momentos que nos afastam
do tempo de ser criança
quando ainda rezava
que tudo a onda alisou

e se eu me aproximar
irei sentir o sopro
na palma da tua mão
bem fundo um tesouro

então se for recebida
porque tu nunca dizes não
passaremos a ser vida
- um colo e um cristão







segunda-feira, 5 de maio de 2014

graças a deus que a tipa está de volta
já me via em apuros achando
que tinha comprado um bilhete sem volta


lá estão os cães da noite
vasculhando nos contentores da alma
alimento para a morte

Há certas coisas que são tão delicadas como descascar um ovo cozido...
Jayadeva

que se construam diques
que me faltam fronteiras

também o sabias se sentisses
os laços que corroem o sonho
moldando barrentas montanhas
ondas onde se afogam crianças
já se esqueceu e nem aconteceu
e se escolhesses outro alguém
para me pisares as entranhas?

Jayadeva

porque não me sai da cabeça
como carícias de fel e manto
pequenos gestos que cintilam
cegando
em audácia lágrima de água
e tudo o sufoco de uma oração
que arde o coração no fogo

Jayadeva

a liberdade já me custa
atrás das paredes do decoro
está uma estátua de pedra dura
a minha fonte em securas
do bebedouro corre o soro
que milagra bens em tesouro

não vens?









domingo, 4 de maio de 2014

Inlogio

dava-te
a conhecer uma linguagem própria
a batida de uma prosa romântica
num tom colegial e fatal

depois disso levava-te a comer num restaurante caro
mostrava como sou elegante e pagava a cartão de crédito
esbanjava virilidade até tu estares cansada de tanto charme

aí vais gritar o meu nome
quando te puxar pelos cabelos
nada de censuras na hora de te chamar de puta
adora a minha pátria: há um hino entre nós
roga a todos os santinhos para seres o grito
por esse vasto mundo ainda te falta um marido

mulheres,
sois tão semelhantes à poesia
uma de noite outra de dia
e sempre a falta de companhia



Osso por Osso

fica pamodi n'dexabu
(cegonhas no horizonte
é sim prope kim tá qrê
(lugar de sonho andante
un tá doido na bô
(que ninguém vê agora me beija
Ki mi ma bô no separa 
(foi assim que o cão perdeu o osso
nha cre agora
(que a culpa foi da banda sonora