domingo, 29 de novembro de 2015

para dizer ao contrário quando é preciso ser-se vago


uma pérfida dança encarnada - a recusa
na hora em que todos estiverem a dormir
velarei por ti
que te reveja como uma sombra
escutar o bater das horas dos pêndulos
e escapar ao olho clarividente
tirar-lhe as preocupações da íris
entre o medo de partir e a ventura de estar
traços de união suplicam cutículas
pedaços de carne seca subperfeita
transpor um fio sob a fronteira cutânea
carícias paternais a remexer nas memórias
é o amor com ideias estranhas
como essa de se roerem as peles
ou de se cobrirem os cabelos
da solidão grisalha do tempo
ideias platónicas exageradas de continuidade
achamos-nos todos imortais
e depois os postiços são inexplicáveis
das transições súbitas do humor
das inversões tempéries que nos surpreendem
de frios glaciares ou tórridos afrontamentos
chega a um tempo
em que somos planta privada de água
tutor de silêncio
a vitória é apenas aceitar sem esforço
os sofrimentos da miséria do corpo
da ruína de um osso ou da falência de um órgão
tinhas traços de menina,
mesmo quando te encurvou a espinha
e as palavras se vestiram de uma imagem sem gramática
eis o cais pitoresco da íris
quando todos os universos são espaços de demência
as ruas são praias de nudistas
cobertas de areia e plantas rasteiras
porque não há mais cosmética sobre humana
e os gestos falam de um padrão sem retorno
o mistério solene dos jardins dos céus
de se partir em paz porque se parte para outra dimensão
mas tu ainda assim tinhas inquietude
não da cinética involuntária epiléptica
e queixavas-te de um cansaço sem razão
o desgaste da giesta sem renovação
saltam sonhos fora de água, sonhos fora de época
num estado que só pode ser mistura
na dose conveniente de afectação
em que a realidade é loucura
e momentos de cólera sem sabor
a tempestade desabando sem saturação
desabando sozinha
o pó da alma retido no coador
e torrões de açúcar por dissolver
a fúria empregando a subordinação
do corrimão, da contracção, da bengala de laços
hipotéticos da consciência
para sondar um terreno sempre imenso
nos passos lentos de um velho passado

e compreender finalmente
o acento da injúria do poema de uma vida
mas vá deitado
estão de braços descarnados
aqueles pérfidos que se recusaram
à dança do coração encarnado

o que é preciso sem ser preciso?
dos conhecimentos vagos
do aplainar das tábuas sem hora certa
da entrega da enfermidade da alma
estar-se sóbrio e inebriado
ao depauperamento do trémulo ramo
quando no outono
deixar-se ir com todos os outros
ao rompimento das veias e artérias
e de todas as crises terrenas
e experimentar das sensações sem se nutrir
como a aproximação ao chão é o recomeço
como a desapropriação é o extremo
-creio que começamos verdadeiramente a senti-lo
quando não temos mais tempo

a sangue frio
o combate de todos os dias extingue o homem
sem fim nem principio do mesmo
o fontanário: a foz do anonimato
a odisseia no espaço de um átomo
e que pode um único átomo?
as últimas palavras da matéria
enigmas do infinito na palma da mão
cosmoteândrica palma
há um silêncio nas têmporas da purificação
quando o inacreditável abalo da máquina de pensar
for fatal
e então, os jardins são lunáticos
recantos de sombra e pedra dura
ladear um portão de ferro
e deixar-te uma gerbera
ou um girassol ou uma margarida
talvez do fundo do bosque universal
encontre uma hortênsia
fruto de uma região mais temperada e subtropical

há que irradiar a claridade espacial
monumental é a ausência universal
quando todos se recolherem aos casulos
purgando a lacuna imaginária
actos de severa penitência sem sonho
por aqui não há sonhos...mas pelo menos estamos vivos
nesse lugar bucólico das palavras








sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Deus está por Veneza


composto e impresso
aos contentores associados
aos contrastes análogos
patéticas vicissitudes...sem premissa
e se deus estivesse de preguiça?
o diabo sempre nos pune
de modo completamente diverso
o heroísmo do reduto
encubado, sufisticamente entornado
o rosto afogueado, cirurgião dissecação
cama-de-vento
agonizar à cabeceira do julgamento
mãos ásperas de aplainar a vida sem vaselina
instrumento rouco de arrebatamento
das feições emagrecidas
externo, o muro de traços da lua
alamedas de apagão
da morte aflitiva ao fim de pista

admirar as pálpebras do amanhecer
num rio que acorda sem se conhecer
de instrumento divino, o sol a implodir
tornando-se decrescente o tempo de existir
minguante somos
já nascemos velhos

a sagacidade de um animal de caça
alvando a curva perfeita de um ventre de porcelana
de renda engomada
uma espécie de fanatismo pelo violeta
abraçamos a vida inteira
chegando ao cordão externo
a cidade lá em baixo
auréola de cambria
admirável obra prima de melancolia
a tremenda atividade da infância
a imensa agitação da vida corrida
revirando-se da marcha lenta
a influência do processo relativo
cairmos no lodaçal iMundo

a que se chama de forma
o trampolim das vaidades
ao acerto das pupilas
da convocação desses ermitas
mas há um alvorecer, apenas um para cada
os moinhos repetindo a trajectória
onde um rio não passa duas vezes
seremos moinhos ou rio?
ideias inspiradas de ignorância
sacudindo guizos
campos de desgoverno
a boca rasgada do aprendiz de soalho
rastejando, encerando
guarnecendo o sopro de agilidade
depois de paredes ornamenta-se de cobre
levantando-se a vara vertical
as searas nascendo ao sol

um terror salutar
de terríveis interjeições
o veludo azul forrado de algodão branco
há sempre outro céu
nuvens de cetim para o véu
corações com a vitória da vaidade
dotados do faro da raça
que a natureza por direito não reclamou
- mas a mesma tirania
composta por associações de carícias frias
de dois corpos celibatários
a existência parece suportável
porque o azul é a cor do narciso
se tudo está tão próximo do paraíso

colocar-se francamente contra os mistérios
válvulas de escapatória
que transparece a desventura do absoluto
golpes nos pontos ternos do coração
ondas sobre o crânio
a extensão encarpada do afecto
ao admirável magnetismo

a palavra maliflua avalanche de caso
sem tradução algébrica de subtracção
se multiplica de ocasião
números para varrer a escuridão
uma palavra áspera
para obedecer à oculta diáspora
se rematar de inocência
de agonia um melro poderia ter cantado
tão vulgar é a beleza de uma rosa
monopólios de tigres expostos
ou de peles de tigres sem cabeça



sexta-feira, 20 de novembro de 2015

consciência quântica



Teciam armas e uma centelha de raiva
fileiras silenciosas acomodando corpos flácidos
empurrados ladeira acima por mulheres-cabaças
se agarra à bóia-de-salvação o pulso amordaçado
no passo cadenciado e firme de sangue antigo
sobre as fileiras dos vultos a descoberto
o céu jovial em vida
a provisão de todos os materiais próprios
para uma descida enigma ao túmulo
preparar os ritos de família
a alma espreitando o cadáver com mágoa
-não sei se lhe havia pertencido
uma parcela da mesma retida na placenta
pôr a secar em feixes
arranjar espaço para mais membros
pés descalços sujos de poeira silenciosa
sobre o sagrado solo da mãe terra
se alimentar essa chama
pequenas flores sem pedúnculo
agora inseridas plásticas em vasos receptáculos
lado a lado, fábricas do principiar da Primavera
de a enterrar incógnita
esse crime sempre oculto da memória
as ervas soberanas na cura
todas as coisas da natureza pura
terminadas da sua tarefa
Da casa dos carniceiros
reconhecer a caligrafia do arquitecto
mendigo insuficiente
a mão estendida, o mundo inteiro
as voltas da vida amenas
dizer uma oração gentil
entre os salteadores, as cortinas de lágrimas
do fluxo verbal sossegar
a eventualidade de ficar pelo caminho
a pairar
atravessar o restolho
na sombria transparência da ausência
trazer o sangue de volta
o odor pantanoso das águas conformadas
pequenas fendas nas tábuas
a mente inflamável para a chama que ateou
a mão do moinho giratória
ancorar o olhar nas espigas esquecidas
esta ferida foi feita por uma flecha mortal
ao alívio do pobre animal

lacónico o assombro roedor da consciência
quando se deixa incompleto
o submarino palmeado nas mesmas águas
onde apenas se organizou a destruição
depois de um aperto de mão
ou do teste de Guthrie

o sol dos trópicos derrete
o urso branco periscópio
há um torpedo interruptor
a inclinação e o resultado
a escotilha e o alojamento
e por essa tampa de aço
a dor

o sexto sentido do combate
revirando-se dentro do espaço
do diâmetro esguio e ágil
uma cadeira metálica circulatória
cujo olho minúsculo observador
giroscópio do torpedo em direcção ao alvo
à superfície emergirão segmentos despedaçados
é a alma da submersão
inoperante o compasso
o grau de estabilidade do peito
as lentes de imersão do cego
todos os músculos da hélice
vertente-maquinista da ilusão
do calcular, estar-se tranquilo
os lemes situados no chão

pronto a emergir? pronto?
o movimento incessante das vagas
o grau de estabilidade do corpo
a inquietude de manobra o leme
o compasso magnético da vida
situada acima do pescoço
todos os sentidos a seus postos
da sua mímica inexpressiva
muito tempo virá à superfície
a estreia da abertura
dum gesto mostrar-lhe nuvens de fumo
até ao fim do combate deixar-se arder
até ao fim
terei tempo?

canhões de tiro rápido
mau carvão testa ampla
no bico da águia de faces cavadas
terá tempo de saturar a pele?
lançar torpedos, lançar blindados medos
oh estações flutuantes
um pouco de sombra arsenal
admirável alvo refinado
a distância que nos separa do navio
a alma-chaminé quase sem pavio

um género de pássaro nasceu

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

do adeus sem armas


um gosto mórbido por ossos
a penosa tarefa de enterrar os mortos
há um corpo a mais...
da folhagem densa macabra
a cicatriz confortável não amanhada
diminuindo a força dos tendões
borboletas e asas delta em xerocópia
um escaravelho reencarnando furacões
recolhas antológicas da alma
no viveiro mecanizado da consciência
talvez de uma vida monástica sem penalidade
do ressonar à sombra de hostes rebeldes
a posse da coroa-erva daninha
e os resíduos acres emanados
sagazes as colheitas que jazem ao sol
a forragem para uma terra de abandono
herdadas as maçãs do rosto pálidas
de um número de homens a mais
há sempre homens a mais
pudesse uma única falha disfarçar a distorção
lembrar a luz do sol dentro do caixão
coa-la através do arco-íris
finalmente jubilando pela íris
finalmente jorrando do caudal emocional
antes que as vésperas comecem a cair
essa tisana para levantar a alma
e nada de pontes para atravessar
rezo por aqueles que abandonam o estrado
sem se estrear
longe das muralhas, nos subúrbios
que cavalgam a toda a brida
para as mãos dessa olvida serão
flamingos de artifício
arqueiros sem arma de palmas soltas
essa matilha de cães raivosos sem razão
sem empurrão para descortinar da área sombreada
a força dos tendões do coração
rezo por aqueles que partem sem saber
todos os dias mais perto de espectros
em modos frios e reservados
dos contrastes corpolentos do horizonte
partem sem conhecer as arestas
do castelo que julgam que lhes resta

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Até ao fim meu amor


transgredir as linhas de que somos feitos
o efeito retardado de uma sensação feliz
esculturas de mármore rebentando por dentro
escorrendo do corpo a seiva notável
plástica, escorregando nas curvas, ácida
pedaço visível como se fosse carne
impressões digitais murmurando vontade
o desaparecimento da era metálica
inaudível
transformar-se o efémero das entranhas
o rosto triste daquela que pende uma lágrima
por mágicas dores ou imobilidade tântrica
a postura sempre vigorosa e elegante
de uma estátua-mulher anjo da guarda
compleição alva, libertar a margem
pelas ruas do cemitério silenciosas
a respiração da morte nas plantas que crescem
ao enunciar de cada sílaba de despedida
dos sentidos da alma, jogar à apanhada
aos domingos velejar expositores de vidro
velando aqueles que estão dormindo
e desencadear o ímpeto da ternura
o universo ao cuidado de fluir
inócuo, ocupante, a razão de se amar tanto
diamantes, safiras, aquele que brilha à luz do dia
a máscara orgânica da fantasia
em equilíbrio, um vai e vem de espíritos
esculpindo na bruma a génesis
a espuma branca dos oceanos galopante
batendo contra a carne os horrores da vida
para se desmaiar no final com tanta paixão
essa molécula capaz de governar a caminhada
e terminar a viagem dentro de uma caixa
que nos pode caber na mão

sábado, 7 de novembro de 2015

the conquering hero


a verdadeira hora da morte
o envelope que lacra a mensagem
a confissão do fim da vida desventurada
percorrendo de um lado ao outro o aposento
último refúgio da terra
libertar-se do derradeiro momento
a tendência a circunscrever-se de restos
do fundo do coração
a aquiescência da recordação
de um excêntrico calejo da alma
ou do próprio rosto da natureza
o lodo abismal articulado
uma coisa usurpada dos atributos da vida
ganhasse significado e ausência
há missões que são demasiado retrovisoras
de um ponto inútil
agora paralisa a directiva:
chegamos sempre a um beco sem saída
o terreno baldio é utopia
ogival é o ventre olhando melancolicamente
quebrado pelas bafadas da fúria da alma
essa mesma
que se aquieta ingerindo ginasticamente a paixão
sonâmbula jornada a da nossa mão
rangendo os dentes na escuridão
a avidez de tecido onírico
de tensão e elasticidade
o laboratório da verdade em parte alguma
de extremo a extremo, o que havia para percorrer?
o tempo quieto, a rugir, ansioso sem tecto
a consciência finalmente impulso
de um simples secreto pecador de orvalhos
onde todas as manhãs são acabamento de esvaziar-se
erguendo, suplicante
o remorso, a humildade de se sentir quebrante
o desvanecer da juventude
a consciência agora satisfeita
beber da poção metafórica
a firmeza para se aguentar à linha
a relativa anuidade passando desalinhada
fiel à resolução de um modo paliativo
assim se caminha sozinho
os meus mais vivos receios

se recorda do covil donde nasceu?
a possibilidade da minha única existência
a parte única de se projectar remediando amanhã
o sono matutino sempre ligeiro
sonhando aquase acordado
sombreado, negro, espesso, fixo
o mergulho ao finito
as excursões do desejo bestial
 esvaziar-se de um trago
cambaleante, amparar-se numa frase
fixando o solo, houvesse um modo
torpeza, fugir de mim próprio
a destreza de me encontrar sóbrio
ajuda-me coração erróneo
-afirma pondo a mão sobre o peito. Ainda bate lá dentro.

graduado de acaso
no adiantar da hora espectral
pela vida sem razão
o carácter do homem visitante, passeante, observador
a angustiosa separação da dor
a estranha perturbação da diminuição do pulsar
a repulsa curiosidade de se passar
lendo, de trás para a frente, os corredores da morte
dissipando um ponto que se findou
talvez fosse tarde, demasiado tarde
é preciso arrombar o absoluto
o desarranjo das cordas vocais do silêncio
das faculdades mentais de um anjo
o espelho das entranhas em vertigens
nas lajes do passeio, de um prédio
o ferro abrindo a marcha atrás dos homens-estátua
a nuvem que oculta a lua
no chiar de uma porta hedionda
crer entoado o coração a ferver de assassinato
lacrado, perdido, encontrado
apaziguado
o espasmo de começar de novo
acariciar o vago ainda acabado de síncope milagre
a grafologia interpretativa
redemoinho caindo na luz filtrada do abrigo
deformidade, bárbara, o reflexo sempre será trémulo
repasto ressalto, ressalvo a sombra
o ruído dos passos do espírito trémulo
inacabado, exótico, vigilante das horas de tráfico
gélida atmosfera onde ordinariamente o trauma sai de casa
do pó à terra, uma casa de aparência
molduras, vagabundas criaturas
reparando as fachadas do fim do mundo-vivo

meu deus, sabe o quê e quando
receber de tudo um pouco
os olhos transeuntes sem dar por isso
descurar o destino com preguiça
talvez valha a pena pesar essa premissa
nas primeiras horas da madrugada
entregar a primeira alvorada
e existir impassível

ruídos ainda ténues
talvez tudo seja só ingénuo
porque se alguma vez eu estive perto
e encontre as palavras para defini-lo
há algum sentido
talvez seja só isso
porque se alguma vez me pareci
foi apenas confusão minha
foi apenas a obra se escrevendo sozinha


segunda-feira, 2 de novembro de 2015

amor heliotrópico



(o nosso amor é heliotrópico)

trepidando violentamente o ar condicionado
do andar superior de notas mágicas
o anel polido a lâminas estrábicas
do desgaste das garras do monstro-amor
mais perto da luz, por favor
-vi-me negra para chegar aqui
estriada de muitos amanheceres sem esperança
o pano preto saúda-me com as mãos
suavemente como um tijolo
o misturador, miniatura, a girar lenta
a alma infernal enfim quieta
estojos, cofres, lojas de demos artificiais
encontrarmos contraídos na crueza do indivíduo
a capacidade infinita de se amar outro
falai na língua dos vidros, falai aos espanta.espíritos
uma segunda porta não se abre duas vezes
próxima do buda cor-de-rosa
lapidado a lápis-azulado ou quartzo desmaiado
pedra lunar puramente hipnótica
a crueza da luz
desse momento de mandar chamar a dentro
tempo para polir tempo
refugiado, agente, investido, descapotável, invertido
posição de lótus, de ébano e cerimónia
tudo medita
a missão vibra de espera
a visão completa das coisas-dúvida
absolutamente só
as buscas da rotina-medula
campo limpo não existe-nunca
mas campos inundados de girassóis encantatórios
só mesmo debaixo deste telhado
haverá crédito nos lugares proibidos?
a vigilância já é demasiado tarde
embrulho, a tiro, na distância
mnemónica: deve ser retirada a face negra
a elipse é agora um parto de luz
o amor é condutor na escuridão
teleconversor, adaptador, lentes jupiterianas
pentax, reflex, devora-rex,
à distância focal de um primeiro beijo
às vezes mesmo antes do tempo.

de lá para cá chegam espectros entre nós
traduzidos de pé
de um ponto ao outro, nós de fé
a perpetuação de uma linha de terra
que mede o coração