domingo, 10 de julho de 2016

noite de vento


noite de vento
máquina, volume, instante
aparas do dia que se vai esculpindo
no aborrecimento de figura nenhuma
os amantes
de casas vazias e silêncios absolutos
todo o momento é último
porque a mortalidade é uma conquista
diz que os deuses nos invejam
feitos de murmúrios e corpos celestes
dançam ao ritmo de outro prisma
o destino de deambular no limbo
pende uma borboleta no foco da luz
bate as asas, toca-me, não mais voo
quando o homem nasce
pessoa do tempo
eu também tinha paredes
antes de pertencer ao vento
o caminho vai-se revelando
duro, de tombos e avanços
falam retalhos, búzios, portais postais
e frascos de perfume vazios
temos espelhos no olhar
encaixamos uns nos outros, frios
o sangue corre alienado
na construção que não chegou a vaso
cobre-se a terra solta de cascalho
a alma sem húmus
para servir um homem sem rumos
baías sem lua
estrelas ponteagudas que ferem o sonho
porque falta liberdade no fole
conversa-se, dorme-se, procria-se
nesse foxtrot anti fantasia
porque temos pupilas ovais
e nascemos para a caça do concreto
mas há bocas insanáveis
cuja fome é maior que o vento
maior que o passo das pernas
que a planície das terras ocultas
noite de vento
contra o horizonte o sol partindo
o embate no céu cristalino
para quebrar o frio
riscar o fogo, a poeira, o peito
é dessa afinação que somos feitos
não máquina ou volume, instante
porque o tempo lê-se nas estrelas









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