terça-feira, 14 de março de 2017

manhã completa


ergo finalmente os olhos
para o altar da manhã completa
vendo curvar-se no limiar da lembrança
no rasgar do tecto em céu aberto
das glândulas que segregam o tempo
à boca do seio sem fome
o teu rosto de mais ontem
a noite fica para além das horas
das violentas dores de parir os mortos
para se entregar às coisas do dia inteiro
a distância de um corpo sem sono
que se nutre de vagas da fundação das auroras
informe, é todo o ser acordado
em que me abandono e esqueço
finalmente os olhos
na intimidade dos nós do avesso
quando me deixaste embrião
a desconfiança do meu espírito
de ter nascido em vão
se fosse possível o ódio, mas não
apaguei-lhe a luz, fechei as cortinas
há uma vontade mórbida
de acreditar na noite contínua
os fantasmas que alimentamos das rotinas
para a solidão de caminhar sobre as nuvens
regresso ao que me é possível de recordar
sem revelação, quieto, a trança do coração
ensinando-me a dissipar o que resta
desse amor cão.
na implosão do inexplicável afecto
que nem de passagem menos intenso
cheguei tarde ao enterro
cheguei fora de tempo ao meu próprio enterro
e tenho sofrido desde então
de violentas dores de coração
porque em toda a manhã completa
há o ruminar de uma noite perdida
são as palavras que vão e vêm
com o próprio desejo que a dor oferece
para o aniquilamento de toda uma vida
numa espécie de ternura abstracta
por ter sido minha



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