sexta-feira, 28 de julho de 2017

o arrancar das farpas


os touros ao alto no monte
a silhueta no limbo da escuridão
privada de volteio...raízes
para um encantamento de paz
a paisagem petrificada de nós
de nenhum grito mais alto
a paisagem um jazigo da infância
antas de pedra e beijos de promessa
a inquietante noite das crianças
os foles do sul fazendo girar os anos
dos corpos que deixámos adormecidos
a partida da terra
da concavidade materna da sombra
num estado de magia enamorado
para o mais fundo abismo do nada
e brava é a contagem insólita dos passos
e turva é a visão dos ávidos de paixão
os touros espiam a partida
possantes de sangue mortal
a linfa de mutantes deuses
que se revelam ao mundo
quando o chão se abre para colher
as farpas...como os espinhos de um cacto
antes de ser doce pela boca
como as palavras que deixámos no passado
os touros...os touros...a arena
a terra sem espírito nem colheita
como um embrião sem alma
a paisagem que deixámos vazia
incapaz de quebrar a saudade
escura e fria...mas pacífica





quarta-feira, 26 de julho de 2017

o turno da noite



da beira de céu
a entrega da carne e do sangue
mergulhada uma impressão tranquila
a cidade ficando para trás
podia escutar o exalto que a ferve
de infiltrações negras, isoladas
do tabuleiro da ponte em quarto minguante
uma foice de lua ocre
e a mão de fora caçando pedaços de vento
veloz, o que fica para trás, veloz
do cais a pistola da partida
rebentam as suaves marés nos braços
numa competição de guelras
papagaios largados da mão de deus
como se estivessem parados
um homem também ele atravessado
um homem valado de memórias
doente para além do sol
foi-se de luz e verdades microscópicas
correram nus como borboletas
os fragmentos de uma alma de instantes
ficar na plataforma vendo partir
e dos silêncios poder repetir-se
as pontes são ecos dos pés
escuto o tiquetonteado dos ponteiros
dessa rosa dos ventos do meu peito
um adeus de um alpendre vazio
o tabuleiro da ponte que suporta
como se não houvesse lugar à escuridão
os braços dessa ponte de um não adeus
um débil rasgo de luz
caído obliquamente da confusão das nuvens
de não se saber quem se deixa para trás
depois a crença do murmúrio da derivação
vagando o espaço silencioso para outro
sentir o pulsar do sangue
a correr em apoteose para o mar
um dia, numa noite tranquila
a primeira fúria sem remorso
a cidade parte dos nossos olhos
e temporariamente, nós partimos com ela
sem bagagem, sem peso, sem começo


quinta-feira, 20 de julho de 2017

à boca do inferno



são as masmorras do incansável
da grande boca do inferno escapam
os arrefecimentos da terra
os soluços triturados no almofariz
da luz matinal partículas de lágrima
regressam e partem, regressam e partem
mastigados pela boca do tempo
que se consome de mais tempo
numa cópula de dia e noite cinza abissal
o chão se abrindo de secretos labirintos
aqueles que pensam que estão no alívio
num estado de morte longínqua
caminham pelas planícies afinal do limbo
escorrem pelos ventos espirais do retorno
uma alma corrosiva e violenta
alada de visões em tormenta
clamada dos ventos solitários
espalhando os fogos eternos da mãe crueza
chamando a si a película genial
para dentro do vazio de cabeças de vento
a película genial que faz vibrar a terra
e em ruínas e arquitecturas desconstruídas
interrogar a própria existência
um céu coberto de pó e teias de medo
como se habitássemos num sótão de abandono
e todas as manhãs deixássemos de falar para dentro
para as inversões perversas dos espaços
porque entre a pele e o esqueleto está um monstro
de avidez de vida, paixão e eternidade
à boca do inferno estamos todos
da grande boca do inferno escapam
o obscurecer, as fendas, a retracção do amor
os arrefecimentos dos fogos que nos matam
com uma genialidade divina

terça-feira, 4 de julho de 2017

filigrana de céu



as aves contornam os céus
no atordoar de volumes ultra-sónicos
para o pender da claridade
onde tudo podemos deixar suspenso
e as palavras em silêncio
das colmeias das imaculadas criaturas
aninham-se no peito horas antigas
que furtamos à morte violenta
a matéria comum carnal
que em todos os passos ruge
para a afronta do dia que urge
se vale a pena definir o voo dos pássaros
para o acrescento de cânones
e de todos os ismos que inundam de vivo
nem os pássaros sabem das suas voltas
das dores brandas das suas asas
para a inocência do voo
há que praticar o retornar
depois...o néctar sequioso escapando
dos céus precipitados do fim do horizonte
porque depois...a vaga onde tudo é longe
é meiga e mais próxima da terra
porque o voo se descreve em circunferência
onde não há mais que eternidade
enquanto para nós houver a contra-luz
ei-la nos olhos e nas mãos da entrega
para o imenso vácuo do mundo das trevas
ninguém domina a fúria da existência
ou a paz de sentir os pés sem marca de água
prontos, sempre prontos para romper
a folha branca mundana
a fúria brava de se abrir fora da tábua
para a paz, de vogar como fantasma