quarta-feira, 16 de agosto de 2017

rivus lacrimalis



da decantação das águas
o que sangra pelo vau
pela brisa dos afluentes
num golpe ágil de cartilagem
barbatanas asas abertas
esse pássaro-peixe flutuante
deixa-se um barco de papel à deriva
no grande desfiladeiro da vida
que a breve ondulação e o sopro
são a vontade de ninguém
as escamas, as espinhas, a carne
o que resta do arpão
de um velho que trocou o mar pelo rio
para a captura da linha
a prata purpurina metálica
de âncora flutuante
nesse vai e vem
de aqueduto de nuvens nuances
passar a mão pela água
colhendo a cedência
e soltar a linha deixando-se partir
no prisma de todos os traços
a espinha esse sinónimo de indomado
um peixe voador voa dor
o escamar das feridas nunca saradas
que vogar do leme fantasma
o nó atado na garganta
beijos afiados como navalhas
o firme impulso da vela
sentir os palmos nadados em vago
da nascente à foz
sentir a vida acrobacia desesperada no ar
e a profundidade do seu cansaço
como um porto o corpo vem até mim
para o baloiçar da maré e o medo
fechar os olhos e recordá-la
sem sentido de fé ou dados de altura
fechar os olhos e vivê-la
numa índole de fera a grande linha
para o repousar no fundo
que repousa no fundo
a resistência


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