segunda-feira, 25 de setembro de 2017

no dorso do sonho


- ofegante
entreseios de pernas arqueadas
que se emprestam das vulvas da madrugada
até à última gota
nos vertem despidos de sinais de nascença
a pele branca tinta da china pincelada
há a urgência de um conversível danado
e se fossemos de porcelana comestível
carcomida de tempo infalível
essa água de colónia lavanda
uma xícara de absinto de águas fluviais
para fervermos em lençóis de limalha
o banquete do paladar anestésico
esse balanço crepitante descombinado
aspirar ao ritmo de azuis em topázio
atirar-me ao rio com traços de flamingo
esse céu rosa desmaiado de tempo
onde me perco
pega-me com esmero
a lua miopia mede o círculo da íris
pega-me com esmero
a pele oxigenada de desespero
puxa-me pelos cabelos no calafrio da queda
somos alcatrão e prata e pedaços de estrela
aprendiz de tumba vespas na ponta dos dedos
para a existência de se contorcer
estafados na forma
vira-me do avesso
sem o menor indício de fratura
voltas na ausência de um trago
de uma língua que atravessa a outra
o contacto um manjar glaciar
o labirinto mental do lençol
gravado de sonho e suor e o teu nome
ofegante
até à última gota

sábado, 16 de setembro de 2017

cartas de neruda


doem-me todas as coisas
vivas e mortas por dentro
leio-te.

o lançamento de uma pedra no lago
o momento presente com que salta
e volta a saltar para se afundar
nas profundezas de tudo o que fica
um gato na fixação de um pássaro
o espesso céu cinzento que uniforme
nos aperta de conforto macio e suave
também eu deixo os olhos no céu
por não saber o nome dos pássaros
sopra um vento seco na boca dos homens
o imenso alívio de tudo
abate-se de quatro patas no ar
com a vontade de matar só por matar
porque a inocência é um estado

talvez porque despidos
o corpo é como qualquer outro
e o meu é o teu ou o teu é o meu
esse poema lúcido que se toca acordado
uma árvore antes da queda
uma imagem de um santo
porque aqueles que mais temem a morte
mais perto dela vivem
é quase tão sério e sombrio como amar
leio-te. por querer descodificar
por querer quebrar as paredes
desse espaço nesse outro espaço
uma brinca de vícios ocupantes
como seria ficar só contra as paredes?
leio-te sem pretensão maior
não querer dominar, não querer acabar-te
leio-te para me começar todos os dias
como um poema mais próximo de ti

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

essa pálida Ísis


relógios com apontamentos mórbidos
um gigante abandona o esconderijo
galos ou choro de crianças
e caminha com a missão de chocalhar
de revirar a terra por acidente
relógios com pensamentos mortos
serão perseguidos como lobos na mente
as vozes dentro de casa
do vento que se dissipa para fora das paredes
a febre que rói o lugar da carne
uma vela por acender no exercício em vão da cura
um cubículo onde repousa o medo
visitar às escondidas os becos
onde a tirania da poesia se oferece
um cisne negro procurando por beijos
carícias em troca de lábios de vinho
de sinais em troca do espírito
juntar as minhas lágrimas às suas
das dores excessivas do amor pó
fumarolas brotam em forma de cruz
a paixão uma chama que nos chama invertida
há um velho deus atrás da porta
companheiro de viagem morta
os nossos fardos esmagam a solidão
as teias do aborrecimento vigias
a alma já partida para o Hades
virando costas aos fieis do mundo
meditam os vitrais do edifício
todo esse lado distante do peito
desse gigante que partiu do lugar
que se quer desabitado
e das ravinas arenosas
erguermo-nos como silhuetas às escuras
dos caminhos de areia intra venosa
celebrar uma cerimónia nocturna
e a noite cai
cai completamente nascida da lua

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

a noite



ao encerrar das pálpebras
aproximam-se e quase que se tocam
as paredes do quarto pele
cai o primeiro sono
na luz tudo o que se quer de seguro
os pés nus
aconchegar o vazio nesse substrato
ela adormece no lugar debaixo da terra
fala das coisas interiores
contra as paredes
o rosto descoberto pelo tecto
lençóis de água dobrados
o corpo amarrotado ao nível do horizonte
para ser manhã
o corpo despede-se com a nudez do adeus
a coisa acontece bruxuleante
marginal um septo película sonho
há horas em palavras
quando tudo está de passagem
cobrir de lençóis brancos
a espera tem sempre os olhos cerrados
se um dia viesse à minha beira
pendurar no cabide a minha alma
e deitar-se comigo assim de aconchego
e não ousar por medo, tocar-me
há horas em palavras
levantar e caminhar pelo quarto
acontece que se descreveu às escuras
respira comigo sem existir
a noite está longe e desce das nuvens
olha-me mais por dentro
sem falar sobre
o comprimento espaçado das ondas
batem perdas no labirinto das runas
batem todos os desígnios
ela diz que a noite tem a duração de um grito
mas que não a conhece
ela diz tanta coisa...

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

lapsos de tempo


deita-se
o corpo contorcido de pragas
inspirar de novo
o queixo nos joelhos da paciência
essa alma que se masca de infância
e morde já sem sabor
as palavras na casa da loucura
uma viagem para longe das coisas
ser um frasco de pó carregado de sangue
ser um fardo horripilante
como a alfazema que deixamos nas gavetas
planos de resgate e promessas
a lua uma roda gigante de gaiolas
pequenos beija-dor
o peito a arder, as penas que endurecem
uma paz aqui e ali sem razão
os silêncios nos seus corcéis
sarar os nossos abraços em decibéis
no contacto mercantil da fuga
as mãos agrilhoadas de frágil vidro
das escrituras estava escrito o abismo
esse guarda cela ganchos nos pulsos
todos magros e duros
pudera eu partir dessa casa da loucura
e juntar-me às pedras, às areias, às paredes
no sonho, tudo é suave e doce e inócuo
e partir dormindo ainda caminhando
um violino chorando em ecos
porque são já tantos, os lapsos de tempo
que as escalas rebentam do lado de dentro