segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

o corpo de Babel



submergir da rigidez da madeira
as sobrancelhas em batimentos por derramar
o maxilar no controlo das moléculas de alcatrão
o bico escancarado a uma parte do inferno
na parte negra do olho desenhos de fogo
esculturas de transtorno animal
formas perenes de elementos de esquina
para um elevador de vidro tomando andar sobre andar
a grande caixa minimalista de betão
toda uma capela de sexos
apenas o ruído visual dos intervalos
de cada andar isolado camaleónico
tomando o fôlego periférico tudo é marfim
espera-me uma viúva negra no terraço
e um homem-pantera ventríloquo
os três sentados  na violência explícita e banida do silêncio
no remexer da ferida dos fundos dos ângulos
autopsiando-se
depois as mãos gastas na imersão da máscara
um pingue pongue espelhado
ou o gesto paranóico do contágio
deixarmo-nos cair para trás como campas lunares
a pele travestida de metafísica
como se a alma dos físicos andasse de pastagem
a lobotomia da profanação
uma casa isolada a cada nova respiração
mente no topo de uma pirâmide
à temperatura proibida do corpo em chamas
e há o exercício do amor mais puro
em zanga melancolia e celebração
a cidade movida no esqueleto vocabular
e a felina rouquidão de um gato ciomado
e enciumado da vida que se perde pelos telhados
precisar desse silêncio de ausências
do rendilhado de uivos em corredores ou celas
o elemento humano nesse espécie de limbo
um pé manco pela distopia
as pessoas fixando-se coxas pelas montras
penas para a asfixia da boca
e as mãos na égua que nos há-de transformar em planta
para mergulhar na fenda
situar na intimidade aquática a escama da sereia
preciosa, ampla...cheia




sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Dama branca




a morte precoce da aranha
nos duelos ásperos da língua
com a palidez solene de bisturis
o mundo concreto reverte-se
as teias da vigília em febre
enforcados em plumas e purpurinas
os corpos tresandam a pêlo
meditam em bolas de espelhos
passa atravessa a sala
a dama branca um mundo estranho
uma mulher de carnes frias
de curvas suicidas
um grande cão cinzento
e buracos nas meias
cavalos voam em círculos
morcegos que agora dormem ao contrário detalhes de dor ainda por sentir
olhos suspensos em veios de sangue
horas amnesicas de notas falsas
o desgaste dos ponteiros que agora são
pontos mastigados de força canina
as paredes o eco a coluna vertebral o tecto
homens vestidos de plástico negro
a conversa líquida de pele suada
os bancos levitam homens que acreditam
voar
voar nos braços dela
balões de oxigénio cabeças de cavalos cansados
corpos mordidos de desejo
cordas suspensas de terrores internos
as cores separam-se dos objectos
objectos que se entregam sem querer
nos braços nos olhos que o chão devolve
transfusões de saliva sedenta
o riso sufoca sombras deitam-se saciadas
um galo canta do alto da cruz revirada
e a jaula vazia



quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

versículos aéreos



fragmentos do carácter aéreo
que nos escolhem
 como estalo cardíaco sem peito
ninhos de luz que acolhem a abstracção
a vibração eléctrica dos músculos dos pássaros
ou um ícone caído do espaço
os diálogos da tristeza nuances
atravessam o patamar de puro oxigénio
a cidade cobrindo-se de neve
pássaros de vidro para o sobressalto da loucura
as pessoas os canais cada coisa mundo
pensar naquelas coisas como findos
aconchega-las na distraída voz do espírito  com a estima da miséria da fome
cada coisa poisada no seu sítio
o acaso areando-se nas mãos
o caminho rolante dos veículos psíquicos
que se desdobram da manipulação maligna
as causas da retina da repentina evasão
esperar no adormecer das matizes
desses edifícios de pedra que desaparecem
esperar nas manifestações  respirantes  uma rajada à procura da alma
esperar do alto peitoral desse satânico ser
de modo que as pernas balançam
ganham balanço para o salto deixar-se ir
para escorregar manietadas pela força de tantos
e depois uma colecção de bichos gritantes
reunidos em formas que se desdobram
saltam e atravessam o espaço
para gozar de um salto sem trapézio
em todo o pequeno esforço anti biótico
da inexpressiva antagonia da morte
perderem-se almas para a zoofagia da terra
almas que se perdem sem nunca terem tido os pés na terra
o registo do exacto momento em que se encontram o embate
na forma de borboleta frenética
sacudir as asas agora como uma massa de carne sem mais singularidade
não mais sacudir as asas não mais asas na verdade


quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Anátema


no bosque de todos os silêncios
há um monstro incessante
cavalga trepa por nós acima
de uma finura de papel bíblia
às vezes um capote espesso de gestos presos
tem a mesma pele e o mesmo cheiro
mas uma implacável avidez de destruição
reside na depressão dos tempos
na teimosia cáustica da resistência
para os germinais campos da visão
por onde lavram homens ao abate
marginalizados numa cela de sonhos
parece que ouço o barulho da chuva
das arcadas da terra choram árvores
está uma virgem estátua do desperdício
as mãos súplicas de objectos do mundo
depois um corpo rochoso encolhido na encosta
coberto de sombra e noite
o mar bate contra as mãos nuvens
a espuma dos ossos ou um deus de pedra e solidão
a força do espírito condensada nesse embrião
o voo fértil dos visitantes nocturnos
que saltam do mar e pousam nas mãos recolhidas
como cavidades fósseis de gente
em breve esse corpo secará
a carcaça de um navio que já não vê o mar
tudo parece insustentável
a fronteira latejante da raiva dos homens
as paredes céu sem filtro... os troncos ocos doentes
e os pássaros confusos rondam a terra
pronunciando ruído e caos
agora porque alguém chora a deus nenhum



quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Anémonas pela noite


despe me
assim solitários sem esqueleto
a rua deserta para um saxofone desconcertante
um piscar intermitente a centelha
a lua a giz
essa cratera de impacto que nos fica
decadente a matéria privada do vazio
a fera esventrada em sedimentos finos
que com fome de cão tacteando as paredes
aos encontrões nesse pavimento rebaixado
a que chamamos tela asfixiante
o sangue estremece em valas
no reflexo da chama o rosto do velho mundo
a imagem viva a subir a rua
noites secas por onde se move a vertigem
as brumas substanciais da memória
sermos deformidade em basaltos de coesão
do fundo pedante da alma
em procissão as palavras encosta a dentro
uma pedra soturna atirada em perpendicular
expulsar do corpo de crianças o aparecimento singular da chama sossegada
para o pecado exposto da fera esquartejada com prazer
assim é nas velhas casas da infância
por onde divaga agora a alma bipartida
ainda um céu formativo de purgadas dores
demencia procox
a cobra enrolada na natureza feminina
os sentidos possessos
visores de um ferimento de matéria escura
para a narração da soma dos espaços
caminham em trajectória veloz
o tempo desculpando a cobardia
somos a atracção de curvas sem distância
abrir se me os lábios
onde esse Equador insustentável te acolhe
os pássaros aliados inquietantes
e depois a reminiscência da poeira e gritarmos
na mais breve violação da alma
e a cruz estampada na testa
de pernas abertas e braços cortados
em nenhum abraço mais



segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Pátria infância



nesse banco de madeira descolorado

uma infância inteira
jardins de laranjeiras ácidas
trevos de sorte mutante
do coreto ocultar passos de dança
amplificador balanço do vento
ocultar
o orvalho vasodilatador de zincos
do texto que procura a vida lêveda do tempo
cada célula cristalizada crisântema
e do cansaço de cada bafo essa amorfia carnívora
contemplo
a pirotecnia de um céu de vácuos
a saliva a liquescer o silêncio sequestrado
e entregue de novo ao corpo
o lugar do fundo em aberto
trepam pelas estátuas as últimas crianças
crianças pombos excrementos
filhos dos campos de inverno
entre muralhas insectos clínicos
para travar a queda ao virar dos dias
na cilíndrica relação do vale ameno
anémona fera de dorso eriçado
espreitam das janelas farpas pontiagudas
farpas que trepam hoje pela alma dos demónios
tudo se move e range abaixo de terra abatida
com a imprecisão de um arado automático
a rega acolhe o mijo
essa fábrica de gestação sem lentes
em cavalgadas delirantes
para sermos poiso de banco de madeira
e por fim só.. fome de corpo velho