sexta-feira, 20 de abril de 2018

âncoras de clausura



o carcereiro envolve o rosto na neblina
para o choque violento do descolar
dos pontões de ferro
marujo das vibrações do quebranto
olhando demoradamente num rogo
a vermelhidão dos céus
o lume do pensamento sossega no embalo
a respiração insone do atravessar das coisas
que têm pressa em partir
na perpetuação das ventosas do pentagrama
o desgaste do profundo caudal
as algas mortas nas encostas
no postiço da plataforma humana
a margem que o liberta nunca dizendo adeus
ofegante galgando passos na vastidão inesgotável
no esforço de se reter no alheio
olear a proa que comanda a fagia
a carne quente para as águas frias
nas costas a ferida dos bichos diurnos
o sacrifício dos nervos da vigilância
o puxar da âncora por entre o cardume de índios
donos das margens do sol ao sal
a costa enfurecida talhada a pique
caniços de ossos no abandono das antigas estruturas
ainda as vozes, os corpos hologramas por ali divagando
num canto mordido quase inaudível
quase balbucio de peixe fora de água
no atordoamento do desaparecimento
a sedução panorâmica do vazio
uma aldeia marinha de almas marginais
enfatuada de presságios e jangadas primitivas
bichos que se atravessam todos os dias
o desdobrar lento do azul em chumbo
o voo astuto dos animais de consumo
gozando do absurdo do triunfo
de sondar as nuvens de cabeça invertida
com o embevecimento hipnótico de um deus
que já voara por ali nas nervuras nos tendões
vestindo a pele grade da agonia
como pássaro destravado da íntima obscuridade
a vaga lenta da respiração dos estilhaços
bandos de asas agora repousam nas areias
podres cinzentas leitosas citadinas
a muralha erguida a pique nas falésias
emergem das nuvens conversas pardas
a casa o incêndio a cratera do cristo extinto
espelham-se horas forradas a musgo
no cativeiro do imaginário em passeio
não se cheira não se apalpa só se cobra
o tempo mitológico das hidras
esse caudal ilustrador da dureza das águas
mantas que nos cobrem de romantismo
o eco retardador do fim para o princípio
varrem os sinais de uma infância feliz
como abandonam as mãos um barco de papel
palavras que partem e se afundam
com o peso, a lonjura
as mãos agora rugas de marujo embriagado
sem força para içar as cordas
para o vibrar das cordas das palavras
que todos os dias vê partir e atracar de novo
como um poema cabeça de hidra
ferida nunca cauterizada


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