sexta-feira, 13 de abril de 2018
cante negro
o peão divaga na escuridão
belisca-se para se saber acordado
os olhos desaguando no instante
fundem as ervas na penumbra conspirada
uma gaiola de vidro a carência do ar
as geometrias tropeçam nas horas
no restolho da infância
porque tudo é distância e perto
a paragem deserta de beira de estrada
o altar da senhora do abandonado
a bica seca o cão que dorme o silêncio da morte
as flores murcham no crepúsculo
carnívoras segredadas na moldura
trepando pelos telhados cobertos de geada
o relógio parado quinquilharia
a inutilidade do gesto dos objetos
espiá-los denunciando a filigrana
do anonimato nas pupilas do terreno
destilam-se gotas de amargura ou solidão
e ás vezes uma paz sem igual
do fundo das costas descolam-se os ossos
o corpo mole procurando já a terra
habitado de miragens antenas rígidas
não existe para lá dos muros ponteiros
larvas de uma fadiga crónica
no intervalo taciturno dos sonos
o silêncio sedado
álibi para tormentas fantasiosas
no ribeiro das renúncias carreiro
gangrenando essa juventude acabada
não se sabe quando
é toda uma paragem na têmporas doridas
da luz cegante do meio dia
o que se esconde na clandestinidade de uma sesta
mordente ardente o sol
o fogo lento da espera
a vida é a vida a morte é a morte
como esperam os animais sem gravidade
minas costuras lavrando a voz uterina
lhe empresta o tronco a solidez
a cortiça o vinco da memória a seiva
o mundo esventrado na barriga do animal
esses instantes de tréguas
o cão beija-lhe a mão
esse áspero que todos comungam entre si
alfinetado grotesco trapos de tricot
ai se as palavras alguma vez violassem
o curso das terras virgens
testemunho de um templo de ninguém
não fosse incêndio perfuração túnel
escapar do seu poiso
das paciências das urgências
das paredes que levantam a terra imensa
o prenúncio da rendição
as mãos passivas névoas do desespero
corre em bicos dos pés entre pedras
despe-se grita rasga-se de peles cripta
que pode a loucura ser-se sem testemunha
masturba-se ama-se odeia-se embriaga-se
a tontura do alheamento
para uma corda ao ramo
um baloiço enforcamento estendal
demora o olhar no enrugamento horizonte
procura o chamamento de desejo algum
raspar com as unhas um nome
cheirar as fezes esfregar-se na urina
as dunas dorso do animal arrepiado
bater com o cajado na cabeça
engolir as ervas as águas estagnadas
calar silenciar as vozes de dentro
a desordem libertina do momento
ginasticar desdobrar o alinhamento
os olhos míopes de ausência
brigar com a tela o espaço a cabeça
as manchas estriadas do céu desabitado
sentir o sangue oleoso sôfrego nas veias
evocação quebranto do impossível
aninhar-se chorar odiar-se solitário
poeta pirueta trapezista inevitável
ave migradora animal parideiro
a mediocridade do desencanto da cadeia
sem crista afogado azedo
sequestrado do dia repetido
da terra um puro sangue pausado
e jurar a pés juntos que nunca teve passado
catando os pêlos brancos do peito
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