quinta-feira, 12 de abril de 2018

O espaço do tempo



os pés no fecundo mistério
uma baforada de sonhos na tarimba
túmulos úlceras do inferno
tonturas de gasolina
roer por dentro as mágoas
brasas de cigarros fumados
do tampo de uma sala vazia
a lâmpada explodindo do lado esquerdo
a sombra do clima avivando-se
conquistando espaço na língua animal
há um remoínho de espasmos
do tampo de uma sala vazia correr cortinas
a repulsa do domador sodomizado
devorar goladas de sangue humano
acústicas de pânico
um pássaro antes livre na linha
agora uma mosca do lado de dentro do vidro
um peão atravessa o quadro limpo
sente-se o acariciar das palmas na tela
tons de cinza para a calvice do tempo
a cabeleira das árvores desmazelada pelo vento
vindimadores presos aos ciclos
a paisagem despida aqui da noite caem bagos
querer partir com o gesto do fastio
a sorte muda como os carreiros do rio
para o corpo no sítio das almofadas
estático no fundo das pupilas
a imagem dela desvanecendo-se
o desmaio da felicidade a seu lado
ou das coincidências de pincelas de acaso
refresca ao relento o corpo nu
velado por uma cascata desejo que cresce
a rocha que protege a investida das margens
engoliu-se
o grande lenço branco das nuvens
o homem peão que vive no trovão
uma ventoínha no vácuo
escravo dos cemitérios do agora
o círculo encolhendo de estranhos que o choram
uma balança de pratos palmos
nas linhas da pele respira-se o peso
espalhar das alturas os santos do altar
sementes à terra de enterro
depois, tudo é humano
com a mesma cadência das coisas naturais
cálido o vinculo aos tombos no peito
a ponta do prego a memória
trejeitos esgares emanências
lá em baixo as casas anãs
no limiar de cada instante espelhos lavatórios
os muros vendas fracções
traços póstumos olhos de fogo
estalando o gesto gesso dos espantalhos
o sacudir das cinzas colina abaixo
um gato preto à luz de um acidente
um guizo cauda espeto
oblíquos metais no horizonte
esse caudal mistério de submersos estéreis
o palpar das brasas arrefecidas
procurando-se o agasalho das tripas
o termómetro alvura losangos para uma tela cúbica
radiadores habitáculos torres de altar
tecem as lâmpadas para o rebentar
ligações sem fios de lucidez campo fora
água benta agora Aurora
o aparelho harmónico da paz
os estendais adormecem bem fundo
à margem dos ventos das chuvas
água e barro para as mãos do impulso
vagas esvaziando-se da rudez
um galo negro anunciando a hora da morte
dentição de pedra manobras chocalhos
a giesta o leite a massa espessa do nevoeiro
cantam as searas sepulturas por nós procurando
o peão imagina-se fora dos castelos, da cidade, do pedestal
saúdam-no as árvores ancestrais bifurcadas
as náuseas do tempo da vida amordaçada
a fome o grão a aceleração
em resina ossos emanados
fora da cisterna fossa céptica do corpo
que não reconhece como mais seu
os campos as telas o cantar dos galos
fecho os olhos e procura-los
para levantar os pés do fecundo
Mistério




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