quarta-feira, 25 de julho de 2018
cartas lançadas em garrafas de plástico
e ali estávamos sentados
paralizados de uma qualquer acção titânica
os olhos postos no horizonte oceânico
espiando nas nossas mãos estrelas
vigas torcidas espirais de vagas inacessíveis
depois o tempo uma fornalha para mastigar
a anomalia gravítica com que que estamos
atravessar dos destroços uma parede penhasco
que escorre lava de feridas incessantes
ondas de consternação batem aos pés
escutam-se guizos no mergulhar em pilotagem automática
carreiros aéreos de um vigilante que abraça só recordação
e das paredes cavernas iluminadas de laranjas
a terra negra sombria e fria
nas asas dísticos aros de aço para voos a pique
cerrar os punhos atrás das costas e ocultar a desordem perpétua
há nas artérias uma tirania para o trânsito marginal da mente
as ligações vitais caldeiras e ferramentas para a corrente
que nos afasta como navio da costa
o pano de fundo do mundo caído
os pés fora de água, dessa muralha obsessa
para residir nos objectos que nos persistem
um calor tropical de chuvas ácidas
ficam no corpo vestígios que não recordamos
resolvido no espírito o cumprimento solene de um homem cego
que implora por vida nessa caixa de pandora
essas brancas falésias que nos espreitam da ranhura
dou-te a mão confesso que continuo a sonhar com vagas de ondas
e nós a correr numa praia qualquer
numa fuga torturante em vão
que as pernas na areia se atrasam se cansam
a minha obra tornou-me inquieta de instante
mas antes dela não me lembro de ser alguém
tu dizes que o sol desapareceu e que a noite aconteceu
que posso adormecer nesse peito
pelo preço da humanidade inteira
no olhar tranquilo do reflexo da lua sobre as águas
que depois da devastação estão paradas
junto à costa moram próximos os ruídos dos passos
dos nossos corpos
segunda-feira, 23 de julho de 2018
para os mortos
quando das paredes descolarem pássaros
beberás da medula do fantástico
para o cadafalso de um outro céu
nossos braços levitarão juntos
como organismos de transparência
pétalas deixadas ao sopro seguro
e o tempo desvanecido circular
o caminho à beira do abismo
e nossos eternos sorrisos
e o sangue sedento anacrónico
do alto do cume do batimento
o pensamento escalado para sonho
o corpo contemplando a flecha
veloz selvagem magnífica
nosso porto de impressões e rochedos
de irregularidade e elementos ruínas
sermos fumo e passagem vento
para o cuidado do embalo da terra
depois as nascentes jorrarão de lágrimas
das encostas aos túmulos dos vales
os ciclos torturados de sombrios precipícios
e imagens de sacrifício em fogueiras
a melancolia toldará por fim
à contemplação da natureza em fúria
para nos escravizar no vício da dor
o amor vagabundo deambulante dos dias
ondulações de um oceano inquieto
abrirem-se fendas acima das nuvens
e dos braços se arrancarem as veias
e com elas erguerem-se altares de forca
as raízes ainda libertando terra de arrasto
como pássaro que está a aprender a voar
colonizar na sinistra hora do pôr do sol
a substância fria dos olhos de pedra
um cântaro em equilíbrio uma casa páteo
o mar em fogo para árias de insanidade
e cabelos prateados enrolados em castiçais
três luas reflectindo na neve negra
flores que murcham deixadas numa mala
e o ritmo profundo dos pés que pisam
uma cidade alada por onde vagueamos
agora repousam nos objectos as memórias
e o corpo dança na vertigem das horas
e com razão incerta a voz cala-se na minha boca
mas quando das paredes descolarem pássaros
tudo voltará ao seu lugar
e eu posso por fim descansar
quarta-feira, 18 de julho de 2018
vernáculos corpus
o pássaro que não sabia planar
acompanha o barco sem se cansar
se parar mergulha a pique
na água gelatinosa de cristais
um mapa de afluentes convertem-no
para o talhar dos telhados
expatriado da articulação lírica
o pássaro de braços de ferro
carimbando o voo de todas as horas
com a doçura angustiada da gradação
assenta patas no pontal da solidão
onde se contemplam os azuis e se pede a paz
organismo aprisionado na paisagem
essa imagem que nos esgota
- a primeira morada do silêncio é a boca
nessa erótica equação do ouvido
liames de ampolas de emergência
a barca do desamparo atraca ao lado
para a malha que nos cobre a pele
os densos estados da alma
demossilábicos no labirinto das imprecisões
deito-me na pedra do cais estendido à luz
decadente, fétido, o poeta de costas fragmentado
uma cidade emergida da neblina
na agulha da pressão do contador das horas
batalhas no espaço sem fôlego de andróides
holocaustos em cada compartimento da nave
um planeta morto ainda intermitente
gente que pede paz para a gente
tudo é tão estranho e absoluto
um monocarril de um gatilho qualquer
que alguém premiu antes de nascermos
uma mão cheia de tecidos
morre no controle da palpitação que se esfuma
uma atmosfera irrespirável do grande suspiro marginal
jaziam macieiras de fúria negra
quando fecho os olhos à infância
uma náusea interior revolta-me as entranhas
a porção de cabo e parede de fim de mundo
antagonizo-me na compulsão
um lago de hidrogénio ou um ateu romântico
cidades subterrâneas desoladas ou um aquário fantástico
aporto-me no núcleo rígido das sensações
e o desejo insano de ser toupeira
as amarras do tanque a morte da íris
e se acabe o eterno inverno deste mundo suspenso
segunda-feira, 16 de julho de 2018
"ela dança num anel de fogo"
assim foram transformados em feixes de luz
e na telepatia da noite choram-se
apanho os ecos vindos da alma que atirei ao espaço
dos venenos contidos dentro das garrafas
o meu desespero emergente do grito mais grave
atracado nas mandíbulas do nevoeiro mental
retiro-me dos meus braços para te deixar só
para a hipnose sublime da vida arbítrea
os olhos parecem vazios porque na verdade estão
por continuarem abertos os lábios movem-se
aos poucos linha a linha o corpo sossega
para se concentrar numa sonda profunda
uma sonda-relâmpago que ilumina no escuro
não sei quantas vezes enterraste os mortos
e a mim continuas a matar com teus versos
e eu recolho-me para uma posição fetal
contorcida de sintomas de alheamento
porque parti o meu coração para te dar vida
vida que agora não encontro em mim
a tinta que vai secando no odor amorfo
da janela abriu as cortinas e contemplou-se ao espelho
um homem nu e ainda demasiado jovem
trespassado de fantasmas frios e feridas que não cessam
o meu coração de vez em quando pára
paralisado pelo choque de tanto sentir
e é neste diálogo que não haverá silêncios
nessa aparelhagem estereofónica de dor
porque dentro de mim uivam lobos
e uma viagem astral de fomes incessantes
assim como me parto em versos espaçados de tempo
tempo que sinto sôfrego e pouco
e tudo sai de dentro num atropelo de vago e colateral
de querer tanto a vida às vezes me empresto à morte
por isso avanço na destruição e abraço o caos
tenho tanta fome que era capaz de comer o meu próprio coração
a poesia é uma instituição para crianças paranormais
pateticamente deixadas no abandono entre os mortais
e dessas estupendas rosas que toda a gente traz na lapela
sangram pessoas de verdade
e depois erguem-se muros de pão e leite e carnes frias
que nos mordem a mente e o corpo de desgaste físico
e a paisagem primitiva de mistério
onde dormias distraída
mamíferos sanguináreos
amortizados por whisky
e ressacas de extraordinário
sexta-feira, 13 de julho de 2018
o último voo
a trepadeira sobe pela coluna de ar quente
enrolando-se reptilmente de pescoço extensão
os braços as mãos que puxam a corda ao sol
para desaparecer por detrás dos montes de branco
no instante seguinte o jazigo da solidão
os dias da cólera um odor desvanecido
pendular o corpo jangada sobre o mar
espasmos de luz de línguas mortas
hidra nas suas urnas suspensas de vida
as partes pesadas deixadas à terra
para o transplante cíclico dos tempos
depois invocar-se de fantasmas doidos
para o retroceder da loucura
mais a dentro mais negro mais ordália
o arrasto da distorção das cordas
para o integrar das imagens ainda vivas
um helicóptero pousado na palma da mão
o resmar do papel lençol flutuante
nas grandes trevas onde não se teme a nada
controlar a visão ondulação
os contornos insolúveis da actividade neural
os monitores acusando a geleia imersa do pensamento
a inconsciência a inconsistência
quadros de parede agora de cotão no convés
o olho imóvel de novos poderes
um tanque de nutrientes de massa e matéria e electrodos
os tecidos deteriorados dos processos passados
crianças suspensas anímicas
a zero desprovidos de engenharia planetária
e guerras marcianas de bancos de rostos
tudo terá outro nome de baptismo
antes do holocausto da contracção da dor
cabelos brancos velhos longos secos
antigas civilizações de um papel sedoso e passivo
o último suspiro magnético
para um último acto de mutação sem talismãs
depois as mesmas horas as mesmas estrelas
só o metabolismo poético empírico subterrâneo
o refúgio entre desertos de rocha e afecto
a nave um espaço interior de contemplação
original do êxodo dos primeiros poetas
à beira de um abismo vocábulo
as palavras cuspidas de torpedo e castigo
no absoluto fanatismo expiado
subi a escada de vidro de casaco completo
todo o clic ponta de fio cortina imensa
a terra num barulho irritante de encravado
o movimento parado simulando vida
assinados os contratos de apólices caducadas
lá em baixo rostos familiares presos ao chão
uma mulher grita na escuridão que fica
o grito voa e trepa pela coluna vertebral
o corpo ferve impedido de gesticular pânico
quero saltar porque não sei o que me espera
saltar de uma janela mas todas têm grades de flanela
o vazio é uma trepadeira trancada de retorno
e o corpo uma nuvem almofada adesivo mordido
os ossos despedaçando-se como folhas arrancadas
um corpo gancho que leva atrelado a uma lâmpada
o meu grito junta-se ao outro um buraco que cresce
como se fosse um pássaro morto que engoliu a língua
ou uma alma deixada ao sol em salmoura
num qualquer ponto do universo à deriva
quarta-feira, 11 de julho de 2018
oração da manhã
numa varanda debruçada
um altar de arabescos de ferro
e morcegos na ponta dos dedos
a neblina da manhã a frescura
gaivotas de areia e correntes de ouro
chora exibindo o seu manto de penas
retratos de abandono e de crianças
brincando no pátio de runas
parece que acolhe o sopro de todas as mortes
emparedado de varandas de zinco
e caixas de ar condicionado
e plantas de plástico
diz que se esgotaram as tempestades
contra os dias abstractos
e o sangue coalhado serve agora o prato
diz que o embalo deste prédio é antigo
que só pode ter nascido dentro de água
para a acrobacia em queda livre
de uma gravura marcial de sonhos
em Pequim e a magia da palidez de porcelana
que antes de nascer foi caligrafada em allegros
de piruetas operáticas expressando todas as tonalidades
de um amor borboleta esbraçando no ar
a erosão da ordem fora de órbita da roda do oleiro
e que espelha assim todos os vidrados da alma
em gargalos e asas de bules de solidão
que a vida são alinhavos de bordados
de motivos circulares de avenidas e becos sem saída
e em todos os pregões o desespero antigo
do fruto que chora pela mãe árvore
os pés continuam a vigília dos limiares
consegue equilibrar-se noutros corpos de pernas para o ar
uma passarola passando na distância de outro tempo
uma bola de sabão que vai e vem tocando na cúpula
atrás deste céu outro céu abaixo deste solo outro véu
crescem-lhe cornucópias e tentáculos viscosos
plenos de massas negras compactas
as águas cobrem-se de nocturno e tranquilo
estátuas erguem-se suspensas à tona
percebi que os gritos ecoavam aos ouvidos
que o vestido de chita era feito de tule de vidro
uma câmpanula de lacunas de mistério
o bolor olvidado dos dedos dos pés sem unhas
e uma trança de rastos de estrelas caídas
para comandar a chuva na imponência da lágrima
de um triste pagão emigrado dos astrais hemisférios
como flutua o vago à flor da pele
como do vago se sobrevive no abstracto
como se arrepiam os sensíveis
como desse arrepio nascem os filamentos
de que são feitos os momentos
uma onda maior no atravessar do rio
um enjoo de estômago um vislumbre
para um vocábulo perverso e inacessível
criado no ventre do efémero
e o sono venceu-a no esquecer na benção
no descuido de recordar no picar das esporas
para o desespero de apunhalar cada aurora
da extrema fadiga de lutar
o espírito suportado de pálidos relâmpagos
nasce dos nervos electrificados um monstro
para o curso ruidoso do travesseiro
abençoado aquele que nos oferece o esquecimento
que nos vigia de uma qualquer varanda de arabescos
segunda-feira, 2 de julho de 2018
fora de órbita
a chuva picando na superfície da água
como a vida resolvida no sonho
a tonalidade da pele copo de vidro
relâmpagos para o estalar da cortina
quando se acorda de um sonho dentro de outro sonho
doloroso suspenso o fogo do dragão
espirituosa a chuva entrega-se ao mar
para a viagem astral de cada gotícula
pragas no arrasto das marés
profetizando nossos polutos olhos
enquanto os dias de cinza crescem em paz
enquanto tudo se resolve na fadiga sem fardo
a obra cresce com o vagar do amor tranquilo
e os vermes da terra contornam essa redoma
acudindo ao espírito a mais tenra mãe
o coração poder transbordar-se de desgoverno
esse dedo imundo que aponta o fim
as paredes do mundo caiadas de branco
dos medos papão um monstro remexido nas águas
uma toupeira cega que atraca no porto
para a narração das profundidades
quando a travessia se acaba
numa espécie de contemplação por tudo
a poesia fluindo dos nossos ventres
numa extensão pura das nossas carnes
quando se aceita a escuridão dentro da luz
o núcleo da lâmpada incandescente
hastes de carbono cornos negros
nossos filamentos unidos em espirais
que não se podem mais arder
depois a nave lentamente descola do horizonte
giratória carrossel a infância perdendo-se da memória
mais depressa velocípede a agonia da vertigem
desse abismo de falsas crenças e falsas crianças
o engolir das plataformas e o desespero das palavras
que sem folha são achatadas às nuvens
e o céu e o mar aproximados num paralelismo de atracção
de azul sem dimensão como uma caixa de fósforos deixada no parapeito
à espera de um relâmpago ou de um milagre ou de um batimento
nossos pés enterrados lamacentos como cabelos sem escova
nossos corpos perdidos sem alcofa sem embalo sem canto
para a vigília de uma corda solta uma terra sem órbita
o terrível mal de uma única melodia de uma nota solta
que ecoa ecoa ecoa dentro da cabeça que não é mais cabeça
a sombra a ignição as voltas neuróticas do coração
como um pássaro nervoso que ficou sem voo
que pedala de estrela em estrela sem brilho
ausência e revolta, só entrega sem minuto, sem hora
livre de assistir a mais auroras e penas coladas pela água
como a chuva que pica a superfície antes da entrega
uma gota de sangue e a droga do mundo desvirtuando-o
para sermos almas rasantes planando
e o próprio corpo mundo planando no universo
perdido
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