segunda-feira, 23 de julho de 2018

para os mortos


quando das paredes descolarem pássaros

beberás da medula do fantástico
para o cadafalso de um outro céu
nossos braços levitarão juntos
como organismos de transparência
pétalas deixadas ao sopro seguro
e o tempo desvanecido circular
o caminho à beira do abismo
e nossos eternos sorrisos
e o sangue sedento anacrónico
do alto do cume do batimento
o pensamento escalado para sonho
o corpo contemplando a flecha
veloz selvagem magnífica
nosso porto de impressões e rochedos
de irregularidade e elementos ruínas
sermos fumo e passagem vento
para o cuidado do embalo da terra

depois as nascentes jorrarão de lágrimas
das encostas aos túmulos dos vales
os ciclos torturados de sombrios precipícios
e imagens de sacrifício em fogueiras
a melancolia toldará por fim
à contemplação da natureza em fúria
para nos escravizar no vício da dor
o amor vagabundo deambulante dos dias
ondulações de um oceano inquieto
abrirem-se fendas acima das nuvens
e dos braços se arrancarem as veias
e com elas erguerem-se altares de forca

as raízes ainda libertando terra de arrasto
como pássaro que está a aprender a voar
colonizar na sinistra hora do pôr do sol
a substância fria dos olhos de pedra
um cântaro em equilíbrio uma casa páteo
o mar em fogo para árias de insanidade
e cabelos prateados enrolados em castiçais
três luas reflectindo na neve negra
flores que murcham deixadas numa mala
e o ritmo profundo dos pés que pisam
uma cidade alada por onde vagueamos

agora repousam nos objectos as memórias
e o corpo dança na vertigem das horas
e com razão incerta a voz cala-se na minha boca

mas quando das paredes descolarem pássaros
tudo voltará ao seu lugar
e eu posso por fim descansar


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