segunda-feira, 2 de julho de 2018
fora de órbita
a chuva picando na superfície da água
como a vida resolvida no sonho
a tonalidade da pele copo de vidro
relâmpagos para o estalar da cortina
quando se acorda de um sonho dentro de outro sonho
doloroso suspenso o fogo do dragão
espirituosa a chuva entrega-se ao mar
para a viagem astral de cada gotícula
pragas no arrasto das marés
profetizando nossos polutos olhos
enquanto os dias de cinza crescem em paz
enquanto tudo se resolve na fadiga sem fardo
a obra cresce com o vagar do amor tranquilo
e os vermes da terra contornam essa redoma
acudindo ao espírito a mais tenra mãe
o coração poder transbordar-se de desgoverno
esse dedo imundo que aponta o fim
as paredes do mundo caiadas de branco
dos medos papão um monstro remexido nas águas
uma toupeira cega que atraca no porto
para a narração das profundidades
quando a travessia se acaba
numa espécie de contemplação por tudo
a poesia fluindo dos nossos ventres
numa extensão pura das nossas carnes
quando se aceita a escuridão dentro da luz
o núcleo da lâmpada incandescente
hastes de carbono cornos negros
nossos filamentos unidos em espirais
que não se podem mais arder
depois a nave lentamente descola do horizonte
giratória carrossel a infância perdendo-se da memória
mais depressa velocípede a agonia da vertigem
desse abismo de falsas crenças e falsas crianças
o engolir das plataformas e o desespero das palavras
que sem folha são achatadas às nuvens
e o céu e o mar aproximados num paralelismo de atracção
de azul sem dimensão como uma caixa de fósforos deixada no parapeito
à espera de um relâmpago ou de um milagre ou de um batimento
nossos pés enterrados lamacentos como cabelos sem escova
nossos corpos perdidos sem alcofa sem embalo sem canto
para a vigília de uma corda solta uma terra sem órbita
o terrível mal de uma única melodia de uma nota solta
que ecoa ecoa ecoa dentro da cabeça que não é mais cabeça
a sombra a ignição as voltas neuróticas do coração
como um pássaro nervoso que ficou sem voo
que pedala de estrela em estrela sem brilho
ausência e revolta, só entrega sem minuto, sem hora
livre de assistir a mais auroras e penas coladas pela água
como a chuva que pica a superfície antes da entrega
uma gota de sangue e a droga do mundo desvirtuando-o
para sermos almas rasantes planando
e o próprio corpo mundo planando no universo
perdido
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