terça-feira, 9 de outubro de 2018

o copo vazio


o vento a uivar pelas falhas
pelos compartimentos vazios da casa
o arrepio no braço e alguém
matutinos os pés descalços
acompanham o odor dos cabelos
violetas à beira do abismo
a linha rupestre a lâmina o candeeiro
o fundo pantanoso do rio
nos limites e da extremidade da sala
na tormenta de um céu cinzento
um pássaro encurralado na janela
do lado de dentro das garras dos objectos
bate-se irado contra as paredes
a realidade ruminando-se
no rosto de um deus morto
as linhas descritas em orgias
de corpos escapados de tumbas abertas
os silêncios estáticos combinados de íntimo
e o pássaro de demónios e horror
o músculo peitoral extasiado
fixo de verdades incondicionais
e simbioses de telha e cal e teias
mudo numa carícia pacífica
procura pelo corpo deitado no chão
para lhe adormecer na completa falta do coração

nos profundos vales dos pés da montanha
essa casa segue de arrasto
pelos flancos do sonho acima das brumas
sem vestígio de vigília
para os infernos e o sol que aniquila
são os olhos negros das gentes
e toda a vida física
que no primeiro impulso
abandona o leme

a casa segue de arrasto e o pássaro a dentro
das velas envidraçadas a vida segue lá fora
véus de vagas e o homem dorme sobre as tábuas
a chama tamborilando nos telhados
juncos de outrora que caem de cansaço
pelas linhas sedutoras da alma

e aterra para distinguir o sabor da terra
a lama granulada a escorrer-lhe pela boca
o rasgar das raízes pelos caninos
a máquina gástrica que o engole
as sementes sendo sepultadas nos intervalos dos dentes
nas bacias de chumbo para sarar a podridão
as palavras soltando-se da língua dos mortos
e todas as penas cuspidas por indigestão

está um pássaro caligrafado agora nas paredes
e um homem que dorme de intestino entrançado
a casa desaparece no alívio de queda alguma
e a chama cessa nas descargas do silêncio

e a chama cessa nas descargas do silêncio

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