quarta-feira, 17 de abril de 2019

19-04-2019



o dia nasce de luz artificial
atravessa os campos de lágrimas
esboçam-se agouros
coroas de louro que os pés levam para mergulhar
à ressurreição de um corpo que sangra por dentro
na simbiose do enxofre e algo doce
o espírito sofre de modificação na morte
por ser hábil de violações ejacula o vómito
revirado do avesso o espírito
na última respiração promete-se o começo

caminho de costas
descascando a alma epidérmica
que atiro à beira da estrada
piramidal acientífica em queda
hermeticamente o meu corpo mortal em queda
embrulhado em celofane
plástico e espasmódico
orgásmico de fome de terra natural
caminho ao ritmo melódico dos passos
que invejam o voo dos pássaros
no afastamento prestando respeito aos mortos
os maqueiros da morgue são os ramos
uivam na escuridão de dentro da paisagem
da amálgama do acaso para a confusa arbítria presença
sentida ou pressinta no golpe de remo que empurra a nuvem
a mulher a vagina o peito dar de mamar ao demo
e à intersecção mágica do pensamento

além, aqui além
o animal pendurado ainda quente
passos de sangue coalhado ascendem ao altar sem santo
as velas ardidas até ao fim
no culto dos campos amanhados
os homens carrascos de si mesmos
quando fizeram a autópsia encontraram restos
de espigões que nunca os trouxeram à tona
um bordado de ponto cruz sem começo atado
caminheiros do odor das hormonas de cães ciosos
os lábios flamejantes do sexo sem mistério
e o olhar em frente para o silêncio sem gente

virar costas
ecos que incomodam as almas do purgatório
a precipitação está agora mais suave
ergo o rosto para os campos sem horizonte
debaixo profundo sinto os pés cavarem na terra
uma força materialista acordando outro mundo
na sua doentia manha os pés sujos
víboras e galgos salteadores para meditar
levo a boca à bica dos sonhos seca do calor do inferno
atiro-lhe saliva e dentes e língua
a minha garganta é o sino da capela sem corda
porque não se visitam os abismos da terra
nem se corrigem os declives da alma
dentro da capela
a humidade criando ferrugem nos pregos
o corpo ajoelha-se e pede perdão a si mesmo
que o sonho a si nada tenha servido
depois de acordado

porque não se visitam os abismos da queda
depois de caída

virar costas e caminhar
há gente que nunca se cansa
de engolir a vida
e renascer a cada passo da morte


Sem comentários:

Enviar um comentário