quinta-feira, 31 de outubro de 2013

...Porque aqui não há tempo nem para saber como se chama o filho do colega de secretária, porque não há tempo para tomar um café para apreciar a paisagem, porque não há paisagem...e não haveria tempo para aprecia-la e não há filho nenhum porque não há tempo para o amor e nem há sequer dinheiro para o café.
 Como é viver assim uma vida inteira? Não faço intenções de descobrir, não quero viver vida nenhuma que se aproxime sequer desta. São 14 anos. De uma capital que se foi perdendo nos braços do capitalismo infernal, das empresas, das grandes superfícies, dos centros comerciais, do trânsito desesperante e da hiperlotação populacional. Como era Lisboa antes de tudo isto? Como era eu antes de tudo isto? Como era no início passear de taxi como se fosse Nova Iorque ou Paris, onde não se dormia e tudo nos consumia de novidade, ao virar de cada esquina uma oportunidade, de algum futuro encantado. Já não se fala de encanto e muito menos de futuro. Não podia estar mais longe de tudo isso. 

A hora mágica é o momento em que coloco a chave na porta de casa. 
E lá fora fica toda essa mixórdia de poluição tóxica. Eram outros tempos com certeza, aqueles que encantavam o poeta. A baixa hoje é um antro de consumo e da alma, nem o perfume, a graça ainda se vai aguentando com alguma vegetação pitoresca, o castelo só turismo, em alfama o fado já não pia e de resto, tudo é periferia. Eu pagava para sair daqui, se tivesse como. Posso sempre colocar tudo isto para trás das costas e empacotar-me mais os animais e ir na boleia de qualquer nada. Não será preciso procurar muito. Deixar-te. De vez. Pela última vez. Dizem para não voltarmos ao lugar onde já fomos felizes, eu já devia ter ido há muito tempo, só assim teria preservado a tua beleza. Não fui, envelheci-te, consumi-te, desgastei-te...matei-te. Porque talvez tu tenhas sido sempre assim e só agora os meus olhos conseguem ver-te. Tirei as lentes da fantasia e a realidade é o que é. 

Já não és nem menina nem moça. Envelheceste por dentro, entre paredes que se descascam de podridão e que alguém pinta e retoca para enganar a multidão. Já não és nem nunca foste minha. Hoje mais do que nunca, sou estrangeira. E quero o meu bilhete de partida, antes que seja tarde demais. Antes que apodreça contigo emparedada e angariada pelo tempo em que não fiz nada para não o ser. Já não adianta rezar nem chorar mais. É ir e pronto, sem olhar pelo ombro, para trás. Porque só na distância dos quilômetros e dos segundos, é que voltaremos a estar apaixonadas. Agora não. Agora estamos exaustas uma da outra. Tudo fizemos para sermos felizes juntas e se não resultou é porque não era mesmo para ser assim. O meu Alentejo, fiel amante ainda me espera. E lá tem muito espaço e muita terra e muito tempo para se envelhecer com calma. Muita planície onde os nossos olhos se espreguiçam, muitos girassóis que ainda seguem o sol. Muita escola onde os nossos filhos podem aprender a sonhar. Muitas páginas tranquilas à espera de histórias. Muita poesia nas memórias que lá ficaram e lá nos esperam. 

Em contagem decrescente, o único alento que me mantém acordada. Desta partida nunca antes tão desejada. E com toda a minha convicção, dar um passo nessa direcção. Dizer-te adeus é a última coisa que posso fazer por nós. 

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