Calma, calma ...calma..que as bolachas não se fazem mais depressa porque estamos com pressa..shiuuu..nada disso...ele sentou-se e olhou para dentro do forno ao fundo da cozinha. Há quanto tempo que não se encontrava para dentro? Numa corrida desenfreada para empurrar a baixo do tapete o que lhe remexia como um foguete de impaz. Meramente um acaso ter-se cruzado com ela nessa tarde.
Quando cruzou os olhos numa montra e ela olhava um vestido de cetim azul petróleo. Deixou-se ficar cuidando não ser visto. Como era delicada, as mãos pálidas acariciavam o tecido lembrando-lhe momentos adormecidos quando despidos ela lhe dizia estar ardendo..assim quietinha? Assim mesmo. Descalçando-se para não acordar as cegonhas, entrou na loja e chegou-se às suas costas. Abrindo os braços, fundiu-se nela. A cada gesto seu, o mesmo. Como era intenso esse azul que lhe cobria o corpo frente ao espelho. E por dentro do ouvido falou-lhe: és linda! Ela sorriu mesmo sem ouvir, encantada de si procurou pelo par de sapatos que melhor combinariam. Aqueles, quero aqueles na prateleira de cima. E a mesmo melodia que há tantos dias murmurava dançava baloiçando a aba do vestido.
Vamos? Não tens frio assim vestida?
O sol caía escorregando nas pedras da calçada o dia. Hoje a noite é de quem souber escolher as palavras. Debruçaram-se, a cidade tal pinheiro de natal, piscando galáxia de candeeiros ou ponteiros de momento. Quero provar da tua boca a que sabe isso do amor num beijo lento, vagarosamente discreto.
Então saindo de dentro dela, esses berlindes rolando, coração a dentro, se fosses removendo esse pouco que em mim teme sermos assim. E na sua frente apareceu deixando-se ver. Os meus olhos nunca esqueceram. Ainda trazes estrelas no bolso.
E a mesma melodia rodando a alavanca da caixa de música. De bicicleta passa o amola tesouros. Dá-me uma moeda depressa! Lima afia-me a alma. Agora estamos prontos.
No forno tudo queimou, por distracção que o tempo avançou. Tudo se foi como se cru não pudesse mais co-existir no paralelismo que vontades contrárias escreveram. Guarda todas essas palavras de raiva. Chamuscadas essas bolachas são a prova de termos levado tempo demais. E que triste que é constatar isso mesmo. Correu à mesma rua, de volta à mesma montra e no lugar dela, uma boneca coberta com o mesmo vestido de cetim azul petróleo. Não há mais lágrimas dentro de mim, exclamou gritando: eu quero que todas as cegonhas levantem voo! Desfazendo-se envidrado, rolando transparente, como basuca ausente. Deixou-se cair pela rua, chegando aos pés de uns sapatos brancos. Ela tropeçou nele. Baixando-se, trouxe aos olhos três berlindes de laivos azuis e verdes. Recordou-lhe a infância, o jogo do buraco. Guardou-os no bolso para mais tarde.
E na cozinha amassando a massa de manteiga, buscando o lenço ao bolso, cai um berlinde. Indo ao forno, as bolachas crescendo e numa delas...te recordas da princesa ervilha? Como podia esquecer, foi a primeira história que contamos à nossa filha.
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