sexta-feira, 27 de maio de 2016

a liturgia da palavra



o fumo da boca à nuvem sem anáfora
imagens temporárias desse dialecto
sinal dos tempos de um tempo que não volta
aos defuntos e aos vivos
comungam o poema e o coração em
células de braille desgastado
trepando varandas orientais sem telhado
candeeiros nocturnos redundantes
encaracolando momento mortis
do ventre rebelando-se a oração num gesto de paz
aos olhos da virgem parecem humanos
um coração de espinhos apertado
todos os homens sofrem do oculto
da astrofísica vascular do céu inacabado
achas de resíduos sem matéria
absolvidos do sangue da luz extinta
de partículas emoção eco fantasma
o corpo às vezes é um elemento à beira
do precipício alfabético das sombras
do princípio destronado dos deuses
olhas-me como se estivessemos perdidos
para sempre
não sei se piedade se compaixão
de um caos desencontrado no nevoeiro
contemplo esse deus em cativeiro
como se apenas presente nas paredes de um templo
sou convidado a um relicário vazio
à imagem de um sonho inominável
meio animal meio homem selvagem
que repulsa em te demoras?
no limbo de uma lágrima de porcelana
nas reminiscências de uma última hora
meu coração não podia ser mais franco
estala aos assobios ásperos golpes
no arrepio de graves moldes
teríamos sido feitos à imagem de um animal que sofre
teriam sido as aves mais livres
estariam as aves mais perto do céu?
declaram-me as raízes que me sinto feliz
debaixo do tecto em que me fiz
de resto que pode o tecto incomodar
se são as pegadas que insistem em não te encontrar
que pode um cego procurar
se ao tacto o teu corpo é frio adormecido em vidro

os poetas têm apenas espinhos
do coração...só caminho

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