quarta-feira, 2 de outubro de 2024

A dança macabra das palavras

 

serão os sonhos do reumático que de noite caem
essa jade no peito para madeixas de cinza
os pensamentos da cegueira ensurdecem
atraso o passo onírico para um compasso cru
na correria de outras horas, de noites de cio
para morder os lábios reagentes de laboratório
e fosco é gesticular quase todo o compasso do voo
que tranca a pele das asas para apenas planar
os olhos pirâmides feixes de luz cénica
qual um pombo sem anilha que perdeu a sílaba
para escrevinhar livre do céu da noite
quebranto de espelho na província do inverno
de onde se parte sem cinzas para meridionais 
sem urgência, o grito da terra, ladaínha desespero
lá em baixo cada vez mais pequeno
homem criança com armações de plástico 
bicho de seda em casulos granadas
águas furtadas ruínas de fel 
e o pássaro negro talvez corvo talvez melro
motorista de lacunas e paisagens de gangrena
curva a sua espinha, a sua carcaça de mecânicos
relógios de cuco, no umbigo da dor medonha
chora todos os corpos em pedaços de vidro
lágrima helicóptero sem extintor estertor
essa embalagem crepúsculo que se deixou 
calcificada pelo tempo na pérola da memória
fendas de uma planura de covas abertas
não são pessoas, antes estátuas no ecrã da desordem
o que ficou depois do cansaço dos ciclos sem vida
chorar-se-á a brutalidade da carne num outro tempo
urnas aromáticas, óleo de cedro, canela, lótus 
para honrar os mortos

depois, mil fumarolas de credos
para levantar desses vocábulos as ossadas
das paredes dos túmulos e dos vasos 
na destreza de chacais e dos vendavais
abutres e esfinges e sumptuosas procissões 
spiritus de véu negro, grinaldas em flor 
o bafo encantador de um além concubino 
fungando de riso, dançando de improviso
o pio estalido de ópios de êxtase, seguem 
num rodopio brilhando com rastos de cometas
folhos, flores, caveiras matraqueando réplicas
rumo à superfície, ascendendo revoltos
números aleatórios, obras vivas, loucas
aparições que vestem as nossas roupas
sombras por trás olhos biombos e braços
desconcertados embriagados de atração
espiam no desequilíbrio de vultos mudos
a vontade imensa de inverter e perverter 
aparições saltitantes assomando ao pensamento
a morarem paredes meias a estremunharem 
impregnando o dia de mais noite sem mais dia
incansáveis de insónia sem repouso
esgares da demência que só o esquecimento imposto
poderia deixar em aberto um morto exposto

e há um sopro de que tudo isto pode
do vai e volta e vai e volta sem quebra
que depois de ida a alma regurgita de mais vida
que deambulando frenética de movimentos sem juízo
se desfaz de mais escarlate e a boca de mais incêndio
que nos habitem os prédio devolutos do insano
que nos pratiquem de malabares e improvisos 
inventores de credos para deuses supérfluos
rebeldes de punhos bravo e migrados dos meridianos
das amarras pobres e terrenas da morte
que nos digam que não pode, porque
em nome dos poemas arrebatados dos nervos do sonho
ai pode pode








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