terça-feira, 29 de outubro de 2024

O mausoléu dos notáveis

 
a paisagem construída brutal de decalque
onde tudo é aparente repetição de abismos
na obsessão de percorrer de dentro para fora
um labirinto de sombra e novos horizontes
a gravura que atravessa o olhar extravasa
sobrepõe e simula o valor naturalista 
desvela a influência de rasgos de toranja
de altos e baixos de pedaços de memória
uma mimetização cromática desses seios
esse corpo curva maquete de ocres expostos
de cores quentes e vibrantes de verão que se despede
no metálico azulado de um céu empedrado
as mãos cópula frias na sua escuridão ramificada
e um rasgão na tela no canto dos apertos
lá onde batem as linhas do fim do mundo
depois o caixilho qual figura vertebral da peça
a dor de se manter de pé a fantasia latente
lírica em cada suave pincelada de pequenas figuras
figuras humanas aladas de invenção
depois os olhos noturnos das sementes que brotam
vigilantes acutilantes de uma fome de mais tela
persegue-se o desfoque a mão que doma o pincel
o carater não rigoroso mas preciso de intento
numa espécie de abstração do momento
o rural do silêncio contrasta agora nas paredes 
a cidade galeria contentor de anímicas vigas
de apertos e dilatações uterinas 
a serenidade bucólica foge-nos pelas ogivas
como uma grande ventania abre-se de ruído e correria
sirenes e gritos, desespero de aflitos e distantes
que aos ouvidos de rompante nos atiram lá para fora
perpetua-se a labilidade, talvez nem dentro nem fora
algo que não pode sentir o seu fim na tensão 
entre a vida e a morte
tudo o que está descrito enuncia a eloquência 
de alguém que se possuiu de efemeridades e mutante
do dia para a noite da noite para o vazio
numa transfiguração de muitos tons de luz
e mais negro para narrativas de bicho acossado
figuras mausoléu do medo transvestido 
ontológico o sonho desperta no colo
no embalo que morre por deslize no sono
tecido comestível a pele desfaz-se nas horas
a tela mortalha mumificando a existência 
deglutidos e regurgitados somos acidente 
projetados por camadas de sobreposição
somos produto vascular do bombeamento
desse motor primordial mecânico coração
para nos depositarmos sem corpo na eterna obra do outro










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