quarta-feira, 5 de outubro de 2016
a cantiga do velho
do arquétipo do poema
se levantam de noite os grilos
porque range o soalho e as plantas trepadeiras
do ardente mistério das nossas fronteiras
as ideias que nos povoam a verticalidade
porque há vocábulos encantatórios
que convocam as searas de trigo
para serem o alimento e o abrigo dos tristes
para inteiramente despertar de olhos abertos
dos dias que correm sem veias, sem tecto
pairam fantoches sobre os dedos
de unhas rasantes e peles descarnadas
dedos roídos das vinhas de sangue
das nuvens mais puras
do deus das madrugadas perdidas
quem abandonou na poesia os primeiros raios de sol
uma sonata ultra efémera
das inevitáveis teias das cordas vocais
lágrimas que caem até ao chão
do descer ao calabouço
todos esses degraus de osso
são a coluna vertebral e um velho torto
só as carnes carecem de outro alimento
a lua crescente, intramuros reservada
aos duros, combatentes da enxada da paixão
que vai lavrando campos apartir do nada
cauda de animal cósmico coisa de si extraída
o bicho-homem já nasceu morto
achando diante de si um corvo
para devorar o peito de leite azedo
a terra que nos promete crianças contentes
se inundará de criaturas desossadas
compreender que alguns nascem
outros apenas se deixam nascer
e a cantiga chega-nos
no arrependimento das injustiças
que cometemos com o afecto
e a cantiga chega-nos
com a mansidão dos dias que lá vão
os sinos avançam na noite invertebrada
que cai sobre as nossas pálpebras
diz que os peixes dormem de olhos abertos
orando submarinos nas entranhas de um amor inerte
quando o sol já vai alto
o fim da jornada
pancadas no estômago para um banquete do céu
os corvos vêm-nos buscar as peles e as carnes
a fisionomia do sonho nunca é severa
a vida aqui na terra
da disciplina extraordinária de nos transportarmos
sem pele, sem carne, sem ossos
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário